Experiências

A SALA DE RECURSOS MAKER – FAÇA VOCÊ MESMO

Tecnologia Assistiva – Podcast do Artigo
Voz – Lunna Mara

Ray Oliveira – Prof. de Sala de Recursos Generalista da SEDF, há 29 anos na rede pública de ensino. Especialista em Educação Matemática, Educação Inclusiva e Desenvolvimento Humano, ambas pela UNB. Publicação Desafio Diário de Inovações – 3ª ed.: Faça Você Mesmo – Sala de Recursos, Instituto Brasileiro de Formação de Educadores – Porvir. Atualmente participa do Grupo de Escrita Autoral – Gecria da UNB Cursando Pedagogia Sistêmica.

Esta foto destina-se a apresentar a professora Ray Oliveira, autora da matéria “Movimentando o cérebro na Sala Maker”, em um contexto inclusivo – mulher de 56 anos, cabelos cheios e escovados, acima dos ombros, com mechas castanhas. Sua cor é parda. Seus lábios com batom na cor vermelha. Está sorridente.

Inovar é romper paradigmas. O aprendizado passa pela experimentação, tentativas, erros e acertos. Consideramos que as tentativas, os erros e os acertos são portas de entrada para o aprendizado significativo e também uma oportunidade de reflexão.  É com esse olhar diferenciado que a Sala de Recursos Generalista do Centro de Ensino Fundamental 08 de Sobradinho estabelece um novo desafio em suas ações e busca  encontrar estratégias pedagógicas que incluam a “verdade de cada estudante”. Ou seja, constituir uma ação pedagógica inclusiva é mais do que acolher, é permitir a cada estudante “despertar” o que está “adormecido” intelectualmente e superar as barreiras impostas pela deficiência. Desse modo, este trabalho pauta-se na crença positiva de que todos aprendem e propõe novas formas de avanços de aprendizagens.

O projeto “Movimentando o Cérebro na Sala Maker” foi criado em 2018 a partir da ideia de desenvolver habilidades e competências importantes para escola e para vida. Ou seja, acreditar na capacidade de aprender do indivíduo, independente de suas características é estar disponível para “experienciar” outras maneiras de ensinar. Surgiu, então, a ideia de implantar na sala de recursos os jogos como ferramenta de aprendizagem.

Esse projeto foi desenvolvido em parceria com o professor José Marcos; enquanto um tratava das regras dos jogos utilizados no ensino da Matemática, o outro se incumbia da responsabilidade de preparar cada estudante para a confecção dos jogos e a comunicação verbal, pois, caberia a eles a tarefa de ensinar às outras pessoas as estratégias de cada jogo.

Assim, pensar em jogos como estratégia pedagógica, como comprovam pesquisas na área (SMOLE, 2007), mostra que esses se configuram como uma importante ferramenta para desenvolver a socialização, melhorar autoestima, a oralidade, a autonomia e a cidadania. Além disso, o jogo na perspectiva da inclusão é um recurso importante para favorecer as condições de ensino e aprendizagem, por isso, surgiu, o “Faça Você Mesmo”. Muniz (2010) relata em Brincar e Jogar- enlaces teóricos e metodológicos no campo da educação matemática, a relação existente entre o jogo e o ato de brincar para aprender matemática. Entendemos assim, que esse é um processo importante também para atender as especificidades da aprendizagem do (a) estudante com necessidade educacional especial. 

A partir desse projeto, a Sala de Recursos transformou-se em um ambiente vivo e menos estigmatizado, pois, ao tirar o foco da deficiência passou-se a criar possibilidades de aprendizagens. Surgiu, assim, em 2019, a Sala de Recursos Maker, fundamentada na metodologia ativa: um espaço colaborativo de ensino e aprendizagem, com momentos de discussão, reflexão e atividades práticas, cujo princípio é de que todos são capazes de aprender. Mas, para isso, é necessário investir em tempo e em aprendizagens diversificadas, ou seja, instruir-se com o que cada um tem a oferecer de acordo com a sua competência e a sua habilidade de maior destaque.

Nesse modelo de aprendizagem, cada um tem o seu papel de destaque, como, por exemplo, os professores são orientadores e mediadores das aprendizagens. Ao estudante, cabe o papel de protagonista de sua aprendizagem. Ele é o centro do processo, e isso reflete na sua autonomia e tomada de decisões. Enfim, é um trabalho em equipe que permite as trocas de experiências e evidencia que a aprendizagem significativa, em um processo reflexivo, parte de situações, isto é, aprender fazendo e ensinando.

Nessa perspectiva, o foco deixa de ser a deficiência ou mesmo as condições físicas ou intelectuais não limitadoras do desenvolvimento, visto que as ações que guiam a SALA MAKER são pautadas na metodologia ativa, organizadas a partir das seguintes atividades: tecnologia, consumo consciente, alimentação saudável, sustentabilidade, jogos, trabalhos manuais, artísticos e geometria, escrita, leitura e estão todos intrinsecamente conectados com o mundo. 

“Ao estudante, cabe o papel de protagonista de sua aprendizagem. Ele é o centro do processo, e isso reflete na sua autonomia e tomada de decisões”.

As atividades foram desenvolvidas a partir da necessidade e do desejo de cada um, com foco naquilo que sabe fazer ou em um desafio a vencer. Alguns estudantes são direcionados, com mediação, para a área acadêmica, com ênfase em Língua Portuguesa e Matemática. Outros estudantes, considerando características próprias que diferenciem suas necessidades, são motivados a fazer, partindo de experiências fora do circuito acadêmico. E, ainda, temos àqueles cujo foco é o desenvolvimento da autonomia, a comunicação e socialização com os pares, entre outras necessidades, que muitas vezes são desafiadoras e necessárias, e podem expressar uma grande conquista e aprendizado significativo. Importa, aqui, os avanços, por menores que sejam, respeitando o potencial individual, pois, a ninguém é negado o direito de fazer e realizar tarefas. Importa, sim, entregar as ferramentas adequadas ao seu desenvolvimento. Esperamos com isso tornar visível e possível aquilo que alguns negam ou insistem em acreditar, porque só enxergam a deficiência: todos aprendem.

E os professores envolvidos passaram a trabalhar com aquilo que o estudante sabia e tinha interesse em fazer. Isso permitiu que os estudantes se tornassem mais ativos e frequentes, e consequentemente, o espaço foi modificado e as atividades ampliadas.

Assim como os professores fazem da sua prática ação-reflexão-ação permanente, esse processo permite, também, ao estudante seu próprio ato de AGIR-PENSAR-AGIR sobre o que pensou. Paulo Freire, tão presente nessa prática, que conduz o estudante a tomar decisões a partir de um diálogo permanente com reflexões e trocas de experiências, explica que “estar sendo é a condição, entre nós, para ser” (Pedagogia da Autonomia, 1996, p. 18). Isso só tem validade se considerarmos quem é esse estudante, suas experiências, vivências e projetos de vida, em vida “experienciando”, errando, acertando. A formação de um estudante enquanto cidadão pleno, independente de suas condições intelectuais ou físicas, deve ser desenvolvida utilizando várias possibilidades. Desde as interações entre pares, a vivência prática das atividades, a utilização de material concreto, a pesquisa, o uso de computadores, até um espaço físico de aprendizagem que promova estímulos diversos. Envolvê-lo em espaços diferenciados também são alternativas criativas para desenvolver as muitas habilidades e competências, capazes de promover seus avanços.

“A formação de um estudante enquanto cidadão pleno, independente de suas condições intelectuais ou físicas, deve ser desenvolvida utilizando várias possibilidades.”

Assim, quem disse que o erro não importa ainda não viveu a prática de experimentar e dependendo da forma de como é conduzido o erro pode ser um grande estímulo para novas descobertas. O indivíduo é um ser incompleto e está sempre aprendendo, não se pode tratá-lo dentro da escola como se ele já tivesse todas as respostas às perguntas que nunca foram feitas, ou seja, tire o foco da deficiência e aparecerá um indivíduo incompleto, inacabado como qualquer outro, mas, como todos, aptos a aprender e a ensinar.

Finalizando, a perspectiva de um espaço Maker de aprendizagem se movimenta em um fazer reflexivo e dialógico. Já dizia Paulo Freire: 

O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas. (Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 1987, p.10)

É, também, um espaço físico e pedagógico conectado com o fazer permanente. Estudantes pertencentes a esse fazer. Aprender a aprender. Envolve o protagonismo, a autonomia, a responsabilidade consigo mesmo e com o outro, a participação e a colaboração. Ninguém está sozinho. Assim, o ato de estudar e o ato de ensinar tornam-se compartes desse processo. Não importa a deficiência. Ela não é uma marca, não é um adjetivo. Por si só não impede o aprender. Apenas esse estudante necessita de espaço físico e condições diferenciadas para aprender.   Nada dele se perde.  Sala em movimento, cérebro em movimento, fazendo novas conexões.  O empoderamento escolar: é o estudante se apropriando de seu processo de aprendizagem, desenvolvendo seu senso crítico, observador e criativo. A deficiência não é impeditiva. Talento todo indivíduo possui. Que tal abrir a chave, nesse espaço que movimenta o desejo de aprender? Vamos refletir acerca disso?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. Jogos Divertidos e Brinquedos Criativos. Petrópolis, RJ. Vozes, 2004.

CASTANHO, Ana Flávia Alonço. O jogo e seu lugar na aprendizagem da Matemática. In: Nova Escola, mar. 2013. Disponível em:<https://novaescola.org.br> Acesso: 28, ago. 2020.

DIESEL, Aline;  BALDEZ, Alda; MARTINS, Silvana. Os princípios das metodologias ativas de  ensino: uma abordagem teórica. In Revista Thema. V. 14, n. 1 , 2017 p. 268 a 288, Disponível em: <http://periodicos.ifsul.edu.br/index.php/thema/article/view/404>Acesso: 28, ago. 2020. 

DINIZ, Maria Ignez; CANDIDO, Patrícia; SMOLE, Katia Stocco. Jogos de Matemática de 1º ao 5º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Editora: Paz & Terra, 1997. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Editora: Paz & Terra, 1972.

GOMES, Daiane Aparecida Alves; PIAI, Maria Aparecida. Lima; SILVA, Rafael Machado. A Matemática como Instrumento para o Desenvolvimento Humano e Emancipação Social. Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades – ENEM, São Paulo, 2016.

MACHADO, Eli; LUGLIO,  Adalberto. Movimento Makers e a Aprendizagem Criativa no Ensino da Matemática do Fundamental I. Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades. São Paulo – SP, UFBC – OBEDUC. ENEM, 13 a 16 de jul.  2016. Disponível em: <https://www.sbem.com.br/enem2016/anais/pdf/8040_3907_ID.pdf >Acesso: 28, ago. 2020. 

MUNIZ, Cristiano. Brincar e jogar: enlaces teóricos e metodológicos no Campo da educação matemática. Autêntica Editora. Belo Horizonte, 2010.

PECHI, Daniele. Sala de recursos: múltipla e acessível. 2014. 34. ed. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/7954/sala-de-recursos-multipla-e-acessivel

VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Organizadores: COLE, Michel…[et al.]; tradução: NETO, José Cipolla; BARRETO, Luís Silveira Menna; AFECHE, Solange Castro. 7. ed. São Paulo: Martins Fonte, 200


Atividades desenvolvidas  durante o desenvolvimento e estruturação do projeto Sala de Recursos Maker – Faça você mesmo – CEF 8 de Sobradinho II – DF, no período de 2018 – 2019

A esquerda, estudantes jogam a Torre de Hanói, tendo à sua frente o Pentaminó. A direita, retrata uma atividade na qual  todos estão interagindo com seus respectivos jogos, orientados pela intervenção do professor especialista em AEE.

A esquerda está um estudante com casaco colorido jogando a torre de Hanói, tendo à sua frente o Pentaminó. A direita está outro estudante também jogando a Torre de Hanói. Os dois estudantes estão interagindo no jogo.
Há um professor 8 estudantes, na sala, espalhados pelas mesas. Retrata uma atividade na qual todos estão interagindo com seus respectivos jogos.

Figuras  que detalham a nova Sala de Recursos Maker – CEF 8 de Sobradinho –  com mobília nova. Criou-se uma relação entre a estética e a funcionalidade e isso potencializou o aproveitamento pedagógico do espaço. Cada detalhe foi planejado para otimização do AEE.

Foto da Sala de Recursos Maker. Acima e à direita está uma estante amarela onde estão guardados alguns jogos. Logo à direita do armário está um quadro branco. 
À esquerda e abaixo tem uma mesa azul e 6 cadeiras também na cor azul. Logo à direita está outra mesa azul com 4 cadeiras na cor azul. Em cima das mesas têm jogos.
Foto da Sala de Recursos Maker. Acima e à direita está uma estante amarela onde estão guardados alguns jogos.
Foto da Sala de Recursos Maker apresentando uma mesa azul e 5 cadeiras também na cor azul. Em cima da mesa tem três jogos: Roleta das operações matemáticas, Caça-palavras e o  Tangram. Todos tamanho ampliado. Tem também um porta-canetas na mesa.
Foto da Sala de Recursos Maker. Acima e à direita está uma estante amarela onde estão guardados alguns jogos. Logo à direita do armário está um quadro branco. 
À esquerda e abaixo tem uma mesa azul e 6 cadeiras também na cor azul. Logo à direita está outra mesa azul com 4 cadeiras na cor azul. Em cima das mesas têm jogos.

Figuras que ilustram o processo de ensino-aprendizagem na Sala de Recursos  Maker, desenvolvido pela a manipulação de jogos  e construção de figuras geométricas. Destaca-se a interação entre os pares, a concentração e o foco dispensados à atividade. Salienta-se que os estudantes, no projeto Sala de Recursos Maker – Faça você mesmo, produzem os jogos a partir de recicláveis e outros recursos e ferramentas.

Foto com 7 estudantes jogando um caça-palavras com o tema sustentabilidade. Jogo tamanho ampliado.
Foto da Sala de Recursos Maker. Acima e no centro está um quadro de aviso. No centro e abaixo está uma estudante uniformizada, cabelo preso e fazendo uma atividade de pintura para confecção de um jogo.
Foto de dois estudantes. Acima e à esquerda, aluno jogando caça-palavras adaptado
À direita temos um estudante pintando um cachepô feito  de material reciclado.
Foto de um estudante, uniformizado pintando as peças de um jogo. A mesa está coberta com jornal.

Como citar:

OLIVEIRA, Ray.  A Sala de Recursos Maker – Faça Você Mesmo. In: Revista Sala de Recursos. p.17 – 22, out. – dez. 2020. Disponível em:<http://www.saladerecursos.com.br>. Acesso:

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3 thoughts on “A SALA DE RECURSOS MAKER – FAÇA VOCÊ MESMO
  1. O esforço desse trabalho coletivo e sua magnitude me impressionaram muito e mostram que o nosso povo é criativo e inteligente. E, acima de tudo, tem consigo o caráter da solidariedade ao outro como um dos mais elevados valores humanos. Parabéns a todos que viabilizaram a sua elaboração e implementação e, especialmente, à mestra Ray Oliveira. Parabéns mestres (as)!

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