Entrevista

O ATIVISMO E A MATERNIDADE : UMA LINDA HISTÓRIA

 

Tecnologia Assistiva – Podcast do Artigo
Locução – Lunna Mara


Elemregina Moraes Emergenídio:  é Pedagoga, possui pós graduação em EAD e Docência do Ensino Superior, Psicopedagoga atuando na função de itinerante da surdocegueira na Secretaria de Educação do Distrito Federal, articulando e apoiando estudantes surdocegos e professores na função de guia-intérpretes. Atualmente é presidente da Associação de Surdocegos de Brasília, membro do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego, da Abrapascem e da APADA-DF. Incansável no apoio ao direito e melhoria da vida da pessoa com deficiência, principalmente do surdocego e surdo. Elem, como é conhecida entre os colegas de trabalho, exerceu cargos de chefia e foi diretora das deficiências sensoriais, contribuiu na elaboração e execução da Orientação Pedagógica da Educação Especial do Distrito Federal no ano de 2010. Colaborou na construção do Currículo em Movimento da Educação Básica da SEDF em 2013. Elemregina é a mãe militante, participativa e amorosa de dois rapazes: Iury, seu primogênito, que é surdocego, e Saulo, que é surdo.

SR: Os profissionais da Secretaria de Educação na área das deficiências sensoriais conhecem Elemregina, seja por seu trabalho, enquanto chefia dessa diretoria, seja atualmente como itinerante e, principalmente, como mãe do Yuri e do Saulo. Gostaríamos de saber de você: quem é a Elem?

ELEMREGINA: Sou uma pessoa sonhadora. Que sonha em realizar muita coisa ainda! Tenho convicção de que já realizei algumas, principalmente, algumas prioridades, enquanto mãe de dois filhos com necessidade especiais, que não são tão comuns na vida cotidiana. Contudo, essas prioridades foram e são fundamentais na minha vivência na maternidade e, eu não posso trocá-las. Sou uma pessoa que estuda bastante, sou versátil. Procuro me adaptar muito facilmente às questões e penso que isso facilitou muito minha vida. Choro muito sozinha, me faço de forte no convívio com colegas e com a família. Não demonstro me emocionar facilmente na frente dos outros ou em situações de dificuldades. Mas sou uma pessoa frágil. Desconheço muita coisa, vou aprendendo empiricamente, no dia a dia com as demandas dos filhos e no meu trabalho como itinerante da surdocegueira. Desse modo, me proponho em fazer análises e testes no campo profissional e familiar. Acho-me uma mulher comum, que possui necessidades e vontades. Pergunto-me constantemente sobre como conduzir minhas vivências com meus filhos e, por isso, faço projeção para o futuro. Embora eu viva o presente, o aqui e agora com muita intensidade, estou sempre pensando no futuro. Acho-me mais ou menos como uma mutante.

SR: Agora que já sabemos da pessoa Elemregina, queremos conhecer um pouco sobre a mãe. Como recebeu os diagnósticos da deficiência dos seus filhos? O que mudou quando teve de organizar a vida com dois filhos com deficiência? Como é ser mãe de um filho surdocego e de um filho surdo?

ELEMREGINA: Ser mãe de um filho surdocego e um surdo é um contexto bem difícil. Saber sobre a surdocegueira do meu primogênito e a surdez do meu caçula não foi fácil de lidar. Passou muita coisa na minha cabeça. A questão vem em uma pergunta carregada de sentimentos conflitantes. O que deu errado, o que fiz de errado? O pensamento parece uma bigorna com marteladas insistentes e a sensação de que algo deu errado. É um momento de luto e de dor. Um sentimento de que o erro foi nosso, principalmente, me perguntava se tinha feito algo que não devia. A pergunta fica destroçando nosso coração. Então sempre acreditamos que deu errado. Esse é um período bem difícil. Precisei criar um sistema de viver essa vida com essas deficiências. Não é que precise mudar tudo, a mudança vai sendo ajustada lentamente. Tinha certeza de que eles iam necessitar do meu apoio. Isso estava muito tranquilo e organizado na minha consciência, como qualquer outra mãe. Dessa maneira, o sistema de como ajudá-los foi se conduzindo diante da demanda deles. No princípio, foi exaustivo conciliar trabalho com a mãe e os afazeres da vida familiar. Hoje eles precisam menos de mim do que antes. O Saulo é mais independente, meu filho mais novo. Ele já dirige, tem vida própria. Faz diversas atividades da vida diária por conta própria e com muita autonomia. Vai ao médico sozinho, vou quando ele me solicitar, raramente vou com ele. Eu sempre acho melhor ir, mas eu também tenho que pensar que ele faz as próprias escolhas. Então temos um diálogo franco e aberto: “você quer que eu vá com você?” Deixo que ele escolha eu ir ou não. No caso do Iury, sendo surdocego, eu sempre vou. Existem os aspectos da comunicação, ele usa a Libras tátil e em campo reduzido. Com o Saulo, a comunicação nos ambientes sociais flui mais, mesmo com a surdez, ele é oralizado. A comunicação com o Iury demanda intérprete e os locais de atendimento não contam com esse profissional permanentemente. Assim o Iury necessita da minha presença  e  participação  em  quase  todos  os  lugares  que  não  possuem  intérpretes. A  vida  no contexto familiar e social é difícil no início, bem complicado. Depois você começa a perceber que você precisa de estratégias para levar a vida e não esquecer de participar das próprias vivências, sua vida necessita de espaço particular além de ser mãe e dos afazeres públicos e do trabalho. Mesmo sabendo que eles precisavam, coloquei sempre situações de lazer, de afeto e de um certo tempo para eu ser a personagem principal, em alguns momentos, da vida cotidiana com meus filhos. Além de organizar esse espaço-tempo para minha vida pessoal, tive conflitos existenciais, que precisaram ser resolvidos. Diante de tudo isso, fui descobrindo e criando estratégias de sobrevida, uma vida que afirmava conviver com as deficiências. Ainda resolvo conflitos diariamente. Às vezes, eu acho tudo muito confuso, às vezes, penso que tenho, em meu contexto, muita coisa para resolver, muito para apoiar, para não esquecer, principalmente, não posso esquecer da Elemregina.

SR: Elem, conversaremos agora sobre algumas decisões práticas que você precisou fazer. Como foi a decisão de mudar a profissão, fazer algo que estivesse mais próximo à educação dos seus filhos? Quais situações emocionais implicaram nessa decisão?

ELEMREGINA: Então… achar um equilíbrio entre o trabalho e a família pode ser desafiador até em situações “ditas normais”. Contudo, para alguém com filhos com deficiência, achar esse balanço envolve muitos desafios. Foi muito difícil tomar a decisão, mas eu tive que ser muito rápida em me decidir. Passei dez anos na polícia militar. Os três primeiros anos na polícia militar foram muito intensos. Realizei todos os cursos de formação para ascender na carreira. Surgiram oportunidades que não consegui rejeitar e aproveitei as possibilidades que surgiram de aperfeiçoamento profissional. Em 1994, o Iury tinha quatro meses, já estava com o diagnóstico de surdocego e o período de licença gestante, acabando. Fui convocada no concurso da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Esse foi um momento de sofrimento em dobro: sofrível pelo diagnóstico e quando me decidi por abandonar a carreira militar que apreciava. Contudo, eu sabia que na Secretaria de Educação teria mais condições de ajudar o Iury. Seria uma boa oportunidade de versar no ambiente pedagógico, que me ajudaria em vivências de aprendizagens mais ricas para participar com fundamentação teórica e prática na vida do meu filho. Tomei essa decisão rapidamente, mesmo que a remuneração financeira fosse menor, estaria mais perto do Iury. A Lei nº 8.112 de 1990, que regula os direitos e deveres dos servidores públicos, me ajudou muito. Além disso, temos a Lei 13.370, criada em 2016, que oferece garantias de um horário especial ao servidor público federal com cônjuge, filho ou dependente com deficiência. As leis me ajudaram a manter um vínculo, pela aposentadoria, com a polícia militar. Isso acalmou meu coração em seguir outras vivências na educação.

SR: Como você pensa o atendimento educacional especializado da sala de recursos na vida escolar dos seus filhos? Como era sua atuação e relacionamento com os professores, então colegas de trabalho, e as escolas? Pode destacar alguma situação boa e uma que você achou incômoda?

ELEMREGINA: Vislumbro grandes possibilidades sobre o processo de ensino e aprendizagem ofertado nas salas de recursos. Tivemos pessoas diversas nesse percurso escolar. Na sala de recursos, aconteciam os melhores momentos, as melhores adequações e aprendizados. No ambiente da sala de recursos, os estudantes desenvolviam processos próprios de trocas entre eles e tinham liberdade de ser. Havia a convivência sem intermediários com o professor que estava ali apresentando um material com adequação, mas com os mesmos objetivos da sala de aula do professor regente e que prevaleciam alcançados pela acessibilidade: nas necessidades linguísticas, de conteúdos e emocionais com maior assertividade. Usarei um jargão popular: “a sala de recursos é só o ouro!” Não deixo de fora a necessidade de formação continuada, professores comprometidos e qualificados, no caso dos meus filhos havia a necessidade da proficiência na língua de sinais. No entanto, sem dúvida, foi a melhor coisa que nos aconteceu. Estar como funcionária da Secretaria de Educação me ajudou a conhecer os ambientes do Atendimento Educacional Especializado, como que ele acontecia, como que era o processo de aptidão, participar de cursos de formação com vistas à qualificação, pois trabalhei em situações de chefia nas deficiências sensoriais e hoje como itinerante, que me proporciona maneiras de pensar e propor cursos e processos de formação continuada através da EAPE (Escola de aperfeiçoamento dos profissionais de educação do DF). Outra situação boa de estar na SEDF são as trocas de experiências com os colegas, consigo conhecê-los com certa intimidade. Assim podia perceber como cada um trabalhava e se comportava no relacionamento professor-aluno com meus filhos e sempre prezei em separar a colega, a chefia, da mãe, embora trouxesse toda minha bagagem de aprendizado junto na relação para fazer as inferências necessárias no âmbito do bom andamento do processo de ensino e da aprendizagem dos meninos. Uns professores eram afetuosos, protetores. Outros atuavam instigando a autonomia e a independência e todos procediam no processo de ensinar e aprender almejando a inclusão, deixavam que eles descobrissem as formas de lidar, sabendo que estariam amparados e resguardados no belo e eficiente trabalho de seus professores da sala de recursos. A participação dos meus filhos na sala de recursos foi uma decisão acertada, sempre. Meu relacionamento com os colegas de trabalho e com as escolas no todo foi um relacionamento ótimo. O meu filho Iury, que é surdocego, quando chegava às escolas causava sempre um maior impacto. A surdocegueira estava ainda se consolidando como deficiência única. Tudo era muito novo. Assim ele participou de um projeto-piloto em uma escola classe do ensino fundamental, esse projeto serviu muito aos processos de ensino-aprendizagem na rede pública do Distrito Federal, nos trouxe muitos ensinamentos do que funcionava e dos obstáculos que precisavam ser vencidos. O Iury, quando chega, por ser surdocego, causa um espanto ao corpo docente e ao ambiente escolar. A rotina da escola se modifica e necessita que se conduzam momentos de sensibilização e de formação com toda comunidade escolar. A sala de aula necessita de ajustes, todas as crianças teriam que conhecê-lo, compreender quais eram as formas de tratá-lo e como deveriam se comportar diante dele e de suas necessidades e limitações. Não era deixá-lo em um cercadinho, protegido e cuidado. Ele fazia parte do ambiente, necessitava interagir e conviver nos diferentes espaços da escola, além da sala de aula. O contato e as vivências deveriam ser apreciadas no ambiente em sua totalidade. Desse modo, com minha ajuda, o Iury fazia sua apresentação na comunidade escolar. Dizíamos de como o ambiente seria organizado para ele ter desenvoltura de conviver e interagir com autonomia no espaço-tempo do seu período na escola e nos diversos processos educativos que são ali compartilhados. A confiança dele, nossa e da escola ia sendo ajustada gradualmente. Ele conseguiu se destacar em muitas situações: recebeu certificado do aluno que mais emprestou e leu livros da biblioteca da escola. Participou das festas escolares e dos projetos. Emociono-me quando relembro das comemorações que se realizavam e ele estava lá, principalmente, nos dias das mães. A sala de recursos me trouxe muitas novidades, carinho e a possibilidade de os meus filhos  serem participativos na escola.

SR:  Seus filhos estudaram em espaços de escolas inclusivas.  Como você percebia esses espaços e o que acredita que ainda necessita ser implementado?

ELEMREGINA: Muita coisa ainda para avançar. O que melhorou foi o processo de formação continuada que ampliou a qualificação do professor. Contudo, ainda temos professores que lidam com os alunos mediante o diagnóstico, veem somente a situação da deficiência como incapacidade e impossibilidade, sem promoverem intervenções pedagógicas mais significativas e estimulantes pela possibilidade de acessibilidade. Muitos docentes percebem e tratam os alunos como se fossem apenas dos profissionais do AEE e da sala de recursos. Existe algo urgente: a formação dos gestores. Faz-se necessário que a equipe gestora, tanto sua parte pedagógica como a administrativa, e a coordenação pedagógica realizem cursos de formação continuada propondo com maior assertividade a organização dos ambientes e dos recursos na escola, sempre considerando o estudante com deficiência. Dessa maneira, os projetos  na  escola serão voltados à inclusão. Outro ponto seria motivar as famílias desses e dos demais alunos a terem uma convivência harmoniosa, deixando que o slogan da Declaração de Salamanca (1994), tão usado na educação especial, seja efetivo e eficiente: “a escola é para todos.” Acredito que uma melhoria poderia vir de duas fontes: a) as pesquisas acadêmicas conduzidas pelas universidades e pelos institutos federais deveriam visitar os  espaços  educativos  com  mais  frequência. Eles  são  usados  como  fonte  de  pesquisas  e necessitam ser usados como espaço de práticas, como laboratórios de pesquisas. A busca pela formação é feita pelo próprio docente quando ele tem a oportunidade de ser pesquisador, vai em busca de se especializar e modificador a própria docência; b) os programas de estados devem usar as pesquisas e os estudos nas suas políticas públicas e trazer os questionamentos e as soluções investigadas em benefício da sociedade.

SR:  Quais as maiores dificuldades que você enfrentou, enquanto mãe, para que seus filhos tivessem uma assistência de qualidade e inclusiva de direitos?

ELEMREGINA:  Começa a partir do nascimento, nas políticas públicas de assistência da saúde e educação, principalmente na formação dos médicos. Alguns elaboram o laudo, colocam um CID no diagnóstico e pronto. Mesmo quando a família está interessada, disposta a realizar os exames, a compreender o processo patológico da deficiência e se coloca em uma posição questionadora de buscar alternativas outras. Eles, os médicos, sugerem que levemos nossos filhos para casa, no meu caso, do meu filho surdocego, ouvi a seguinte frase ao investigar uma situação neurológica: “mãe, é alimentar. Leva para casa, cuida, só cuide. Alimente-o, espere, é isso.” Hoje já contamos com uma singela melhoria, embora o discurso tenha se modificado pouco. A saúde não realiza a assistência adequada para famílias carentes. Deveria ter um projeto de assistência às famílias, um apoio geral, irrestrito do estado. Seja na questão psicológica, emocional. Também há dificuldade com as questões de cunho mais prático, conduções de como procurar ajuda e quais as possibilidades de assistências estão disponíveis para aquela criança. Não existe uma comunicação permanente e eficiente entre a saúde e a educação. O processo de assistência na educação, o acolhimento e a informação são essenciais desde a estimulação precoce para aqueles que conseguem chegar ali, pois também não é muito fácil e são poucas vagas, com um número limitado de profissionais para atender e elaborar as avaliações que dão garantias de atendimento nas escolas. Precisamos muito, no espaço da sala de aula, de  acesso às tecnologias assistivas para que os alunos possam acessar com autonomia as informações dos conteúdos didáticos-pedagógicos. As pesquisas no campo da saúde e da educação precisavam investir em tecnologia assistiva, principalmente, de pequeno porte no manuseio. Também precisamos garantir que o professor guia-intérprete e o intérprete educacional sejam fluentes em Libras, que haja um professor especialista em Português,como L2, e abrir espaço para o ensino de Libras para a comunidade escolar, principalmente para os familiares e para os alunos surdos como L1, com docência de professor surdo, nos espaços bilíngues que ofereçam educação aos surdos e surdocegos.

SR:  Seus filhos chegaram à Universidade. Pode descrever como foi esse momento para eles e para sua família?

ELEMREGINA: Foi um momento muito feliz. Antes houve as tentativas frustradas, como a falta de acessibilidade no vestibular para o meu filho surdocego. Foram três tentativas. O irmão caçula já estava terminando o ensino médio, sendo aprovado no vestibular em uma faculdade privada. Então resolvemos fazer uma viagem para que ele se divertisse e voltasse renovado. Assim, ao tentar o ENEM, recorremos às mídias televisivas, houve, inclusive, uma reportagem pelo SBT, recorremos ao Ministério Público para obter garantias de acessibilidade condizentes com a necessidade dele. Realizamos um movimento junto aos demais surdocegos de Brasília, seus familiares e os simpatizantes da causa, dentre eles, professores e demais profissionais da educação. Ele foi aprovado no IFB para cursar letras e na UNB para cursar Letras Libras, optou por cursar graduação na Universidade de Brasília que oferecia um curso totalmente voltado ao que ele queria como futuro profissional. Foi um caminho extenso até que eles chegassem ao status de universitários. Requereu um esforço enorme deles e da nossa família. O meu Iury, surdocego, já se formou, está em sua segunda graduação e estudando para concurso. Meu Saulo está em vias de se formar. Continuaremos apoiando os sonhos e as potencialidades deles.

SR: Vocês viveram duas experiências universitárias.  Seu filho surdocego cursou a Universidade Federal. Seu filho surdo, uma Universidade Privada. Pode fazer destaque de particularidades entre essas instituições?

ELEMREGINA: Nas duas houve um enfrentamento contínuo no sentido de elaborar documentos solicitando melhorias e assistência para que a movimentação e os processos de acessibilidades fossem garantidos. Na universidade pública, tivemos que ajustar as saídas das salas, pois o professor permanecia na sala e esse trajeto era demorado para meu filho, enquanto surdocego. A mesa universitária não servia ao propósito de distribuir os materiais de que ele necessitava fazer uso para acessar os conteúdos e até para se organizar didaticamente. O processo de sensibilização e de adequação também sofreu situações de reorganização, mesmo o curso tendo sido estruturado para surdos. A participação do meu filho nos espaços, projetos e eventos para além da sala de aula e do programa de seu curso, foi sempre conduzida com muita persistência e com a nossa participação direta. Algumas conquistas foram conseguidas com a mobilização de outros surdocegos e suas famílias em um apoio para lutar por direitos que iam abrir novas e outras portas na própria universidade. Logo a UNB fez um concurso para ter no quadro o guia-intérprete que veio auxiliar o processo de estar e participar na aula com mais acessibilidade. O Saulo está em uma faculdade privada, ele é oralizado, e essa situação foi julgada pelos docentes e demais profissionais como se ele não precisasse de  acessibilidade, então não  teria necessidade  de intérprete e  de processos de adequação. Outra situação é que as faculdades privadas não realizam uma investigação mais criteriosa na contratação do intérprete de Libras. A proficiência desse profissional precisa ser garantia para contratação. A remuneração insuficiente produz muita rotatividade e faz com que os contratados não disponham de uma boa eficiência linguística para lidar com os sinais termos de Libras ao nível universitário. Algo positivo desses embates administrativos e pedagógicos é que os meninos aprenderam a dividir conosco, seus pais, suas dificuldades e esse compartilhamento e envolvimento nosso com o que acontecia no meio acadêmico deles foi proveitoso para despertá-los a buscar resolver seus problemas e conflitos com mais autonomia e desenvoltura. As falas do Iury e do Saulo hoje transmitem esse empoderamento conquistado ao longo dos anos. Eles encontraram um jeito muito particular e próprio de se conduzirem e de se posicionarem diante das coisas, das pessoas e da vida. Eu quando interpreto para o Iury, por exemplo, sempre me emociono e, preciso me acostumar a como ele se coloca ao falar em público sobre suas vivências. Necessito captar o que ele expressa nos sinais em Libras, dizer em palavras da expressão forte e decidida do rosto dele. A minha fala não pode titubear. Eu não posso, não devo e nem quero minimizar a fala dele. Houve algumas diferenças em relação à graduação feita na universidade privada e na pública. A universidade pública sempre acolheu de modo mais aberto às nossas solicitações, os ajustes e a assistência vinha em um tempo mais curto. Já na universidade privada,  a primeira resposta esbarrava na justificativa dos encargos financeiros, como a demanda de acúmulo financeiro ao sistema administrativo que não foi prevista e isso tornava mais demorado o atendimento às nossas solicitações. Acredito que o espaço da educação pública é o melhor, de maior impacto e melhor aproveitamento no ensino-aprendizagem e na inclusão, principalmente, no Atendimento Educacional Especializado. Precisa melhorar, sem dúvida, nos recursos tecnológicos de acessibilidade.

Similar Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support