Entrevista

A INCLUSÃO É A MELHOR ALTERNATIVA SOCIAL.


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Locução – Lunna Mara

THÉO REIS SCHÜLER

Com o diagnóstico de diversos transtornos de aprendizagem, Théo Reis Schüler, brasiliense, há três anos delegado da polícia civil, conta um pouco da sua trajetória escolar, desde as séries iniciais, nas quais a alfabetização parecia um obstáculo intransponível, até sua aprovação em diversas universidades e em concurso público. O olhar do aluno em busca do pertencimento dentro de uma unidade escolar e as barreiras que impediam a aprendizagem são significativos e demandam ações urgentes de políticas inclusivas tanto na rede pública quanto na rede particular de ensino. A presença da família, a motivação, a promoção da auto estima foram elementos fundamentais nessa trajetória de superação e nos levam a refletir sobre a relevância da inclusão como alternativa social.

SR: Quem é o Théo?

Théo Reis Schüler: Eu tenho 33 anos, sou formado em Direito, sou Delegado de polícia no Pará, eu gosto de leitura, filme, família, sou caseiro.

SR: Como foi o Théo estudante nas séries iniciais?(Comportamento…Dificuldades…)

Théo Reis Schüler: As séries iniciais foram sem dúvidas as  piores em relação a tudo, mais que ensino médio  e faculdade, por conta da dislexia houve muita dificuldade na alfabetização e por ter um pouco de discalculia, eu era ruim em matemática,  o pior mesmo foi alfabetizar, eu quase reprovei.  Os professores chamavam minha mãe à escola, descreviam a minha dificuldade e sempre reclamavam da minha letra. Eu tinha dificuldade de ficar quieto na cadeira, eu era uma criança muito alegre e queria brincar o tempo todo.

SR: Com quantos anos  você teve um diagnóstico? Como ele aconteceu?

Théo Reis Schüler: Demorou um pouco até fechar o diagnóstico  eu tinha aproximadamente 14 anos e só fechou com  a equipe multidisciplinar. O diagnóstico apresentava: TDAH, Dislexia, Discalculia, Disgrafia, Disortografia e Dislalia.

SR: Você percebia as dificuldades?

Théo Reis Schüler: Sim eu percebia, principalmente, na parte da gramática, a turma toda terminava os exercícios e eu ainda estava na metade, atividades de palavras cruzadas, caça-palavras, redação, vocabulário era complicado, na escrita as vezes haviam palavras repetidas ou invertidas que eu só percebia quando lia, e ao ler eu pulava linhas e palavras e tinha que começar a ler tudo novamente, copiar alguma coisa do quadro eu era sempre atrasado, copiava errado, letra ilegível e espelhada, não conseguia usar os parágrafos e nem a pauta do caderno, eu percebia que meu tempo era diferente e também a questão qualitativa das respostas também eram diferentes.  Dias da semana, meses do ano, horas com relógio de ponteiro nunca sabia.

SR: O que muda na vida familiar, acadêmica, pessoal, emocional com o fechamento do diagnóstico?

Théo Reis Schüler: Na questão familiar gerou mais aproximação principalmente com minha mãe, ela estava sempre me ajudando nas questões dos exercícios e tentando encontrar soluções para o problema, a família passou a entender a questão do meu tempo ser maior para realizar uma atividade, como eu era muito hiperativo fui fazer prática de esportes, joguei futebol e tênis, o tênis me trouxe muita dedicação e disciplina, na parte acadêmica tem uma parte boa que é quando  a pessoa entende e quer te ajudar mesmo, gerou proximidade com o professor, mas também eu notava que alguns professores  (principalmente na faculdade)  não queriam ter um trabalho a mais com aluno especial, faziam o que a coordenação pedia mas não gostavam, como se estivesse atrapalhando. Emocionalmente é meio estranho , tem um momento que você sente-se inferiorizado e  meio perdido porque querendo ou não todos  alunos fazem de um jeito e você de outro, ou vai fazer um exercício e não consegue, você acaba sentindo-se pior que os outros, uma sensação de inferioridade que você tem que ir trabalhando.  Com amigos e colegas nunca percebi diferença.

SR: Qual o tipo de apoio recebido?

Théo Reis Schüler: Eu fui acompanhado por equipe multidisciplinar desde as séries iniciais, mesmo sem ter diagnóstico,  fiz o PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental,fonoaudiologia, psicologia, psicopedagogia, neurologista, otorrinolaringologista, minha mãe ficou em cima dando apoio específico e exigindo um acompanhamento mais próximo da escola.

SR: Qual a participação da escola/família neste momento?

Théo Reis Schüler: Desde alfabetização a escola manteve contato com a família e fazia observações quanto às dificuldades. Minha mãe começou a pesquisar para entender como lidar e passava para pedagoga que fazia a ponte com os professores, mas não havia um preparo para acompanhamento de aluno com necessidade educacional especial, a escola era particular e não se empenhava em me ter por lá, eu passei a ser um problema para a escola, houve sugestão de mudança  mas que não foi acatada.Colegas me ajudavam com tarefas e leituras, aulas de reforço foram importantes, algumas vezes eu consegui trocar a prova escrita por oral na qual eu me saía muito melhor.

SR: Houve remoção de barreiras? Adequação curricular?

Théo Reis Schüler: O documento de adequação curricular eu nunca tive, eu consegui um tempo de prova maior, realizava algumas avaliações orais e na UnB – Universidade de Brasília eu tinha um tutor que ficava comigo me auxiliando, fazia as anotações no caderno. A UnB tem um departamento para auxiliar estudantes com necessidades educacionais especiais e foi nesse departamento que eu consegui a ajuda do tutor. Nunca tive uma prova adequada. O cartão de resposta das avaliações, tipo gabarito, sempre foram complicados porque eu perdia a sequência, se errasse um errava tudo e minha mãe solicitava que corrigissem a prova, nem sempre conseguíamos.

SR:  O ensino médio foi um desafio?

Théo Reis Schüler: Foi um pouco difícil, algumas matérias eu me sobressaia muito outras eu era muito ruim. Matemática e gramática eu sempre tive dificuldade e ia penando,  literatura e história eu ia muito bem, nas demais disciplinas eu ia melhor, como eu já estava sendo acompanhado há algum tempo você vai criando alguns truques, se eu ia ler uma matéria mais densa eu colocava uma régua para ir acompanhando aos poucos, eu tentava não ficar tão frustrado quando pulava um trecho ou outro, já tinha feito o PEI e eu fui me achando melhor, você vai vendo que vai ter coisa que você vai ter mais dificuldade e outras vai ter facilidade, e aí quando começou a ter o PAS – Programa de Avaliação Seriada para entrar na faculdade e eu fui vendo que minha nota geral não era tão ruim em relação aos outros, era até boa, isso aumentou minha auto estima e eu me senti motivado para estudar, eu vi que eu conseguia  ter um rendimento bom.  

SR: Você se considera uma pessoa que venceu desafios ou que aprendeu a conviver com eles?

Théo Reis Schüler: Desafios? A vida sempre terá desafios. Você consegue conquistar um desafio, chegar em um objetivo que você queria e  vai criando outros, na escola o primeiro desafio que eu considerava era não ser reprovado e às vezes é até engraçado porque na época você nem pensa em questões acadêmicas, você não quer ser reprovado para não perder os amiguinhos, para continuar na sala, continuar a conivência com os mesmos amigos, e eu consegui completar o ensino sem reprovar e considero isso um desafio superado. Depois, o desafio passou a ser a questão do vestibular, o ensino médio é muita gente focada, e vem o desafio de passar em uma Universidade federal, e eu também consegui.Ao entrar para a graduação em  Direito, veio o desafio de passar na OAB,  consegui passar no 7º semestre de faculdade, depois veio a questão do concurso público e  fui aprovado para Delegado da Polícia Civil do Estado do Pará. Na verdade, na vida a gente nunca deixa de ter desafios, vamos conquistando e convivendo com as dificuldades, nem sempre vamos conseguir tudo, mas com esforço vamos conquistando e melhorando a situação.

O documento de adequação curricular eu nunca tive, eu consegui um tempo de prova maior, realizava algumas avaliações orais e na UnB – Universidade de Brasília eu tinha um tutor que ficava comigo me auxiliando, fazia as anotações no caderno.

SR: Dentre diversas aprovações em vestibulares o Direito foi o curso escolhido e hoje você realiza um importante trabalho junto a Polícia Civil do Estado do Pará, diante das dificuldades para se chegar até aqui  o que você apontaria como um importante fator motivacional nessa trajetória?

Théo Reis Schüler: Foi a família. Eu percebia que minha mãe preocupava-se comigo, se eu teria uma carreira, uma independência financeira, e isso me motivava a estudar mais para tirar essa preocupação da cabeça dela. Uma curiosidade foi que minha mãe me deu o primeiro livro do Harry Potter e nessa época eu só lia o básico, eu tentava fugir do problema e evitava ler, lia apenas o suficiente para escola, e  aí eu li e gostei de ler, eu vi que leitura tinha um lado legal, se você não ler você vai perder muito da vida, daí eu comecei a desenvolver o hábito da leitura e isso me ajudou muito na questão motivacional, comecei a ler vários livros e fui deixando para trás aquele sentimento ruim em relação à leitura… que leitura é difícil… que você não consegue,ver que eu tinha possibilidade de ler mesmo que eu demorasse um pouco mais que os outros era um fator motivacional que me ajudou muito. Quando fui estudar para concurso eu sempre pensava: mesmo que eu demore um pouco mais que os outros para ler, mesmo que eu tenha mais dificuldade, mesmo que na hora da prova eu passe para o gabarito uma questão errada, mesmo que eu tenha que fazer um esforço maior, eu chegando primeiro na biblioteca para estudar e me esforçando mais do que a média eu vou conseguir.  

SR:  Hoje na vida adulta do Théo Delegado… Ainda existem dificuldades a serem trabalhadas?

Théo Reis Schüler: As dificuldades vão diminuindo mas permanecem, quando eu fui assinar o diploma de Direito o “H” do Théo ficou espelhado, tinha muita gente em volta e muita pressa para assinar, é uma coisa que acontece e que eu fui aprendendo a lidar. Ainda tenho dificuldades com números, datas, sequências, coordenação motora fina. A cada conquista você vai se sentindo mais confiante e entendendo que apesar das dificuldades não há problema quando se tem um esforço para superá-las.

Uma curiosidade foi que minha mãe me deu o primeiro livro do Harry Potter e nessa época eu só lia o básico, eu tentava fugir do problema e evitava ler, lia apenas o suficiente para escola, e  aí eu li e gostei de ler, eu vi que leitura tinha um lado legal…

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