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GESTOR – O PONTO ESTRATÉGICO


Tecnologia Assistiva – Podcast da Entrevista
Locução – Lunna Mara
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AIRA CARINA

tornar uma escola inclusiva, capaz de acolher e olhar o outro com mais empatia e respeito parece simples na atualidade, uma vez que a legislação sobre inclusão avançou consideravelmente nos últimos tempos e oportuniza acesso à pessoa com deficiência em todos os âmbitos. Mas será que isso garante qualidade educacional a esse indivíduo quando chega ao espaço escolar? É sobre esse assunto que iremos dialogar com a Gestora do Centro de Ensino Fundamental 08 de Sobradinho da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, Aira Carina, Que esse debate democrático colabore com reflexões e mudanças práticas na perspectiva da educação inclusiva que garanta, de direito e de fato, acesso ao conhecimento a todos, sem distinção. 

SR: Conte um pouco da sua trajetória profissional.

Aira Carina Pessoa Pereira: Sou professora da Secretaria de Educação há 23 anos, formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, licenciada em Artes Cênicas. Minha trajetória dentro da educação sempre foi dentro da escola. Primeiro em sala de aula, onde iniciei minha carreira profissional e vivenciei as delícias de ser professora de Artes, as delícias de fazer teatro com alunos da periferia do DF. E foi justamente como professora de Artes que vivi uma das primeiras experiências com alunos especiais. Na época, eram poucos no sistema regular. Montamos um grupo de teatro no Centro Educacional 02 de Sobradinho e nossa temática era o Amor a partir das vivências de um casal de adolescentes que começava sua vida amorosa, já com um conflito, pois o adolescente era uma pessoa com deficiência. O aluno Alexandre Abade1, que fez parte do grupo, era a grande estrela do espetáculo e virou sensação na escola, conhecido e admirado por todos, a partir da sua entrada no teatro. Fui também professora da Sala de Recursos no CEF 01 de Sobradinho-DF, onde tive  a oportunidade de implementar o serviço de atendimento educacional especializado que, naquele ano, teve o incentivo das escolas públicas, implementadas pelo MEC. Trabalhei no CEF 01 por 7 anos. Atualmente, sou gestora do CEF 08 de Sobradinho II,  desde 2012.

SR: A 1ª Edição da Sala de Recursos Revista divulga, em sua capa  de estreia, um novo modelo de sala intitulado Sala de Recursos Maker, que é parte do ambiente físico do CEF 08 de Sobradinho-DF.  Em tempo, como você enxerga essa iniciativa e de que forma essa nova estrutura pode colaborar no desenvolvimento cognitivo do(a) estudante com deficiência?

Aira Carina Pessoa Pereira: Em nossa gestão, sempre tivemos como premissa a qualidade no atendimento para todos os alunos, e, em especial,  para os alunos com algum tipo de deficiência. Sempre foi nosso sonho dar dignidade ao atendimento educacional especializado (AEE) em nossa escola. Em geral,  é um trabalho  sempre realizado no improviso, em salas que não são pensadas para este tipo de atendimento. Atualmente o CEF 08 atua com 7 tipos de atendimentos especializados e, aos poucos, melhoramos o espaço físico para que não só os alunos se sintam acolhidos e atendidos em suas especificidade, mas também o professor. É preciso que o professor da Sala de Recursos  tenha no espaço físico uma oportunidade de fazer um trabalho pedagógico de qualidade. A sala de recursos Maker, idealizada pela Professora Ray  Oliveira e pelo Professor José Marcos, segue o princípio das mudanças que vêm sendo implementadas no CEF 08 desde o ano de 2017 quando a escola adere ao  3º ciclo de aprendizagem ―  proposta pedagógica da Secretaria de Educação do Distrito Federal ― na perspectiva de um escola que acredita na aprendizagem, independente das dificuldades impostas aos estudantes.  A sala de recursos maker parte do princípio  que “todos podem aprender”. Neste sentido, a sala foi idealizada para que o aluno se sinta desafiado, estimulado e motivado para a aprendizagem. A nova sala tem também o objetivo de despertar a criatividade de cada pessoa que entra no ambiente, seja aluno do próprio atendimento, como também alunos do regular, que enxergam no ambiente um espaço desafiador. É muito comum  outros alunos, fora do atendimento, desejarem participar das atividades da sala. E as interações que ocorrem dentro do novo espaço físico exerce uma influência direta no desenvolvimento da aprendizagem desse aluno. Uma observação que eu, particularmente, faço é que a sala de recursos Maker do CEF 08 não vê o educador como uma figura central no processo de ensino e aprendizagem, mas sim  como mediador da aprendizagem, onde é desafiado o tempo todo.  Assim ele pode desenvolver toda sua capacidade e toda sua potencialidade.

SR: Apontes aspectos importantes que devem determinar o papel de um bom gestor no processo de inclusão  de estudantes com deficiência.

Aira Carina Pessoa Pereira: Em primeiro lugar, a gestão precisa acreditar que a aprendizagem é possível para todos os alunos. O processo de inclusão é contínuo e dinâmico. A inclusão da pessoa com deficiência só se concretiza a partir da participação de toda a comunidade escolar, incluindo o próprio aluno. Por isso, é importante, antes de qualquer coisa, garantir sua presença na escola.  A partir daí, é necessário planejamento, envolvimento e participação efetiva da gestão. Cabe à gestão participar de todo o processo de inclusão de um novo aluno, desde a matrícula até o planejamento das estratégias pedagógicas para o seu atendimento. 

“Em nossa gestão, sempre tivemos como premissa a qualidade no atendimento para todos os alunos, e em especial,  para os alunos com algum tipo de deficiência. Sempre foi nosso sonho dar dignidade ao atendimento educacional especializado(AEE) em nossa escola.”

SR: Que avanços, você percebe, já estão movimentando a educação na perspectiva da inclusão?

Aira Carina Pessoa Pereira: Hoje é impossível pensar em uma escola sem a presença de um aluno com deficiência. Esse movimento por si só já é um avanço. A não exclusão da pessoa com deficiência, do jardim até os anos finais, passando pelo ensino médio, é uma conquista. A inclusão da pessoa com deficiência no ensino regular gerou também conquistas na legislação do país. Como exemplo,  temos o Plano Nacional de Educação  que contempla a educação especial, a lei da inclusão,  a lei brasileira de inclusão  de 2015. A formação do professor também está melhorando. Outro avanço é que a escola tem se mostrado um espaço de aprendizado pelo respeito à  diversidade.      Acrescento ainda, como mais importante: quando a pessoa com deficiência estuda em escolas regulares, se torna mais independente e autônoma, têm melhor socialização e maior chance de prosseguir estudando. Já os alunos sem deficiência se beneficiam da construção de valores e habilidades  de conviver com as diferenças e aceitar o outro, respeitando suas individualidades. A educação inclusiva torna a escola mais humana.

SR: Quais as maiores dificuldades enfrentadas na sua gestão quanto à garantia de acesso ao conhecimento a esse estudante na promoção de sua aprendizagem?

Aira Carina Pessoa Pereira: A falta de recursos financeiros. Sem apoio financeiro, ficamos impedidos de realizar sonhos, como, por exemplo, ampliar o prédio da escola. Atualmente o CEF 08 tem 7 salas de recursos: altas  habilidades em música, altas habilidades em artes visuais, altas habilidades em  ciências, altas habilidades em linguagens, altas habilidades em teatro e a sala de recursos generalista. Existe a necessidade urgente da construção do prédio anexo. Acrescento, ainda, a eliminação de barreiras físicas. O CEF 08 é uma escola com dois pavimentos e o único acesso ao segundo pavimento é por meio da escada. O elevador está quebrado há 5 anos.  Como tornar a escola inclusiva se existem barreiras físicas? O aluno tem o direito de transitar por todos os espaços da escola, e se há algum lugar onde seu acesso não é possível,  não podemos dizer que a escola é inclusiva. Então, eu,  por ser gestora, sinto-me impotente diante do descaso com a educação. Eliminar as barreiras físicas abre espaço para as aprendizagens

SR: O  Projeto Político-Pedagógico (PPP)é o documento oficial, a “carta de identidade” da escola. Que ações estão implementadas nesse documento na promoção de igualdade de condições de acesso ao conhecimento para o(a) estudante com deficiência?

Aira Carina Pessoa Pereira: Uma coisa que eu gosto muito no Projeto Político Pedagógico do CEF 08 é que ele é inclusivo desde o início. Todas as ações propostas são no sentido de respeito à diversidade, construção de uma escola mais fraterna, formação de uma pessoa mais solidária. Por todo o documento, estamos pensando em uma escola para todos, desde o planejamento das coordenações pedagógicas, passando pela organização do trabalho pedagógico, até a organização dos processos avaliativos, nos quais o objetivo principal é  GARANTIR AS APRENDIZAGENS para todos os alunos. Quero destacar algumas mudanças implementadas a partir de 2019. São ações que estão em nosso PPP, importantes para garantir a permanência e melhoria das aprendizagens dos alunos com deficiência: cumprimos com reuniões de formação sobre a Educação Inclusiva e os trabalhos desenvolvidos na Sala de Recursos Generalista e Sala de Altas Habilidade/Superdotação e a garantia da participação com regularidade desses profissionais nas coordenações coletivas. Essas ações refletem muito na atuação do professor da sala regular. 

SR: As leis que tratam da inclusão são claras em relação a uma política pública que garanta acesso a todos ao conhecimento. Existe alguma situação escolar que impeça que um ambiente de aprendizagem seja garantido a esse estudante? 

 Aira Carina Pessoa Pereira: Sim, vários. No caso do CEF 08, como comentei anteriormente, a barreira física é um impedimento real. Não existe outro acesso ao andar superior do nosso prédio que não seja por escadas. Imagine uma aluna com mobilidade reduzida? Imagine um pai, usuário de cadeiras de rodas? E temos na escola essas pessoas, que são impedidas de transitar no espaço escolar com autonomia. Acontece diariamente.     Hoje a estratégia de matrícula permite a redução de número de alunos por turma quando matriculado o aluno com deficiência. Na prática, essa redução é inviável devido ao número de alunos que a nossa comunidade atende.        

SR: Quais os avanços você aponta no CEF 08, ao longo da sua gestão, que já repercutem numa educação mais justa, com equidade no atendimento ao estudante com deficiência?  

Aira Carina Pessoa Pereira: A valorização dos profissionais da sala de recursos generalista e  sala de altas habilidades e superdotação. A melhoria dos ambientes. Implementamos, mesmo com todas as dificuldades financeiras, a participação das equipes das salas de recursos generalista e de altas habilidades e superdotação, na distribuição, de forma mais democrática, dos recursos financeiros. A formação continuada dentro da escola nas coordenações coletivas, realizadas pelos profissionais da escola. A garantia da continuidade dos atendimentos dentro da unidade escolar. Essas são algumas das ações implementadas,  que já repercutem no bom atendimento desse aluno, inclusive em seu espaço de aula regular. 

SR: Que comportamentos/atitudes você observa na escola,  que dificultam ou facilitam a inclusão do(a)  estudante com deficiência?

Aira Carina Pessoa Pereira: A escola é muito acolhedora, fraterna e amorosa. Essas atitudes são observadas pelos profissionais e pela comunidade em geral. O reconhecimento que os alunos com deficiência e com altas habilidade e superdotação são pessoas importantes e bem-vindas à escola. O reconhecimento, também, dos profissionais das salas de recursos como profissionais imprescindíveis para a melhoria da qualidade da educação, uma vez que esses profissionais estão inseridos na construção de todo o projeto político e pedagógico da escola. 

SR: Considerações finais  acerca do diálogo promovido com a revista.

 Aira Carina Pessoa Pereira: O que deve nortear o trabalho pedagógico de uma escola inclusiva, em especial quanto aos estudantes com deficiência e altas habilidades e superdotação, é acreditar na sua capacidade de aprender, independentemente de suas características ou dificuldades de aprendizagem. A escola deve estar disponível para “o novo”, fazer novas descobertas e “experienciar outras maneiras de ensinar, pensando em outras possibilidades para aprender”. A educação inclusiva é fundamental para corrigir processos históricos de exclusão, porque, dentre outras coisas, favorece o desenvolvimento socioemocional e afetivo de pessoas  com deficiência.


Notas

1Alexandre Abade, aos 2 anos de idade, foi diagnosticado com osteogênese imperfeita. Qualquer tipo de movimento ocasionava fraturas. Seus ossos eram muito frágeis, como um vidro. Concluiu seu estudo básico, fez diversos cursos profissionalizantes, formou-se em gestão de marketing e gestão em administração de empresas. Tornou-se consultor motivacional. Participou de muitos eventos em escolas, contando a sua história de desafios e SUPERAÇÃO. Autor de livro, um homem que rompeu paradigmas e provou que a capacidade de aprender é maior que a deficiência. Faleceu em 2020, aos 41 anos de idade. Deixou seu legado.

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6 thoughts on “GESTOR – O PONTO ESTRATÉGICO
  1. parabéns a todos que faz parte da instituição do polo de Sobradinho DF ,um artigo maravilhoso bastante enriquecido com bastante conteúdo muito bem apesentado o que condiz o atendimento educacional realizado nas salas de recursos para estudantes com alta habilidade\ superdotado mesmo em alguns casos com a falta de apoio financeiro esses profissionais não deixaram de buscar a melhor forma para atender as necessidades desses estudantes .parabéns

  2. Obrigado por compartilhar suas incriveis e admiráveis experiênciais transformadoras que só a educação pode proporconar. Sabemos que a jornada é longa e por ser um processo continuo, temos muito a evoluir. Porém, relatos como este, visando a inclusão, qualidade e melhorias no ensino, são acima de tudo, a esperança de dias melhores. Parabéns a todos que contribuem para uma educação de qualidade em todos os seus aspectos!! : )

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