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DISLEXIA: POSSÍVEIS INTERVENÇÕES EM CONTEXTOS ESCOLARES


 

Tecnologia Assistiva – Podcast do Artigo
Locução – Lunna Mara

Marcelle Camargo: Mestranda em Intervenção Psicológica em Desenvolvimento e Educação pela FUNIBER. Pedagoga formada pela UERJ, Neuropsicopedagoga pela UCAM, Psicanalista, Especialista em Distúrbios e Transtornos que afetam a aprendizagem. Orientadora, supervisora e consultora em Educação e Neuropsicopedagogia. Professora da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Pessoa com TEA e AH/SD.
marcelle3108@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/8864023651033834


 

 

RESUMO

Essa pesquisa ocupa-se da prevalência de disléxicos no contexto escolar e o atendimento às suas especificidades em sala de aula em um CIEP, localizado na Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro. Objetivou investigar as diversas possibilidades de oferecer e garantir a esse público um ensino de qualidade, para isso usaremos estudos recentes como os publicados pela psicóloga educacional Paula Teles. Fundamentamos nossa pesquisa na necessidade de uma formação docente continuada e na perspectiva inclusiva por acreditar que o conhecimento sobre o transtorno é a chave para o diagnóstico precoce e intervenções de sucesso. Para tanto, adotamos como metodologia a pesquisa-ação que nos permitiu conhecer a atuação dos professores, principalmente, os subsídios que usam para a tomada de decisões, no próprio ambiente de trabalho. Concluiu-se que o aluno disléxico exposto às situações diferenciadas de ensino, mesmo em classe regular, demonstra condições de aprendizagem comuns à sua idade/série. Constatou-se ainda, a necessidade de cursos específicos na formação docente para o atendimento ao estudante com dislexia.

Palavras-Chave: Dislexia, Educação., Intervenções neuropsicopedagógicas.

1.INTRODUÇÃO

A presente pesquisa investigou a prevalência da dislexia em contextos escolares e formas de intervenções a partir da perspectiva de estudos recentes sobre esse distúrbio. O interesse nasceu do fato estatístico de que a dislexia é uma das causas mais frequentes de insucesso escolar e, por não ser na maioria dos casos identificada, nem tratada, reduzem-se as chances de uma vida acadêmica hábil e de rendimento. Desse modo, esse trabalho buscou responder às seguintes questões:

  1. O que é a dislexia e quais seus impactos sobre a vida acadêmica em sala de aula?
  2. Quais as maneiras de identificar a dislexia e as possibilidades de intervenção no contexto escolar?
  3. Quais as razões para o baixo rendimento de alunos diagnosticados com dislexia?
  4. De que maneira a Psicopedagogia pode contribuir para o sucesso de alunos disléxicos?


Estas questões surgem por reconhecermos a necessidade de que o contexto escolar disponha de informações úteis e adequadas que situará o referido distúrbio em contextos históricos e temporais, perpassando os mitos estabelecidos e buscando atividades que oportunizem o aprendizado dentro de pesquisas e estudos que podem ser reproduzidos em sala de aula. Tomaremos, aqui, também, o questionamento sobre a formação docente para atuar com esse público-alvo. Para isso, fizemos mais duas perguntas: que tipo de conhecimentos ausentes têm fomentado lacunas sobre o tratamento da dislexia? Quais barreiras têm impedido o avanço das pessoas com dislexia e como eliminá-las?

De acordo Teles (2017):

Na maioria dos casos os alunos dependem da “benevolência” dos professores, desculpando a falta de correção, a fluência leitora, a limitação vocabular, os erros ortográficos […] Uma situação preocupante é a deficiente formação não só dos professores, mas, o que é ainda mais grave, a deficiente formação dos responsáveis pela formação dos professores.


Neste contexto, o objetivo principal deste estudo é investigar o distúrbio de dislexia sob a ótica das possibilidades de aprendizagem do aluno e, principalmente, do professor. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa-ação como forma de interação entre o ato de investigar e reproduzir os estudos acerca do transtorno. A abordagem se deu de forma qualitativa no que sugere Erikson (1986): “a pesquisa-ação é um instrumento valioso do qual os pesquisadores podem recorrer com o intuito de envolver os professores, durante a pesquisa, para melhorarem o processo de ensino-aprendizagem, pelo menos no ambiente em que atuam. O benefício da pesquisa-ação está no fornecimento de subsídios para o ensino, pois ela apresenta ao professor subsídios razoáveis para a tomada de decisões, embora, muitas vezes de caráter provisório. Nessa metodologia, torna-se possível ao pesquisador aproximar teoria e prática para estreitar o contato com o objeto investigado. O trabalho fundamenta-se em consultas ao DSM-V e pesquisas recentes da psicologia, principalmente a da psicóloga educacional Paula Teles publicada em 2017 que traz informações sobre os avanços mais recentes da neuroaprendizagem sobre o tema.

 

2. DESENVOLVIMENTO

Em 2003, a Associação Internacional de Dislexia adotou a seguinte definição para o transtorno: 

 

Dislexia é uma incapacidade específica de aprendizagem, de origem neurobiológica.  É caracterizada por dificuldades na correção e/ou fluência da leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica. Estas dificuldades resultam de um déficit fonológico, inesperado, em relação às outras capacidades cognitivas e às condições educativas. Secundariamente podem surgir dificuldades de compreensão leitora, experiência de leitura reduzida que pode impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos gerais.” (AID, 2003, p.) 

 

Embora essa definição seja atualmente aceita pela maioria da comunidade científica, as evidências apontam que a evolução do conceito de dislexia assumiu diversas definições dentro de diferentes contextos históricos. 

Uma das primeiras menções ao transtorno encontra-se na descrição de Morgan (1896), relatando o caso clínico de uma menina que aos 14 anos, embora tivesse uma inteligência dentro dos parâmetros para sua idade, apresentava uma incapacidade quase absoluta para a linguagem escrita. Ele definiu como cegueira verbal. Outras nomenclaturas foram adotadas desde então, tais como: cegueira verbal congênita, dislexia congênita, estrefossimbolia, alexia do desenvolvimento, dislexia constitucional, parte do contínuo das perturbações de linguagem, caracterizada por um déficit no processamento verbal dos sons. 

A partir dos anos 60, o transtorno passou a ser associado a razões emocionais, afetivas e imaturidade, deixando de lado os aspectos biológicos. No final dessa década, a Federação de Neurologia compreende e adota a dislexia como um transtorno associado às dificuldades de leitura, independente da inteligência e meios sociais nos quais o aluno estivesse inserido. Em 1994, na edição do DSM IV, define-se o distúrbio por “Transtorno de Leitura e Escrita” e estabelece os critérios para diagnóstico. 

Nestes contextos históricos, também surgiram diversas teorias com o intuito de explicar os processos cognitivos responsáveis por esse distúrbio. Eis algumas tentativas teóricas de definição:

  • Teoria do Déficit Fonológico – mais aceita entre os estudiosos e que consiste na hipótese de que a dislexia tem por causa o déficit no processamento fonológico motivado por uma disrupção no sistema neurológico central ao nível do processamento fonológico;
  • Teoria do Déficit de Automatização – refere-se à dislexia como um déficit na capacidade de automatizar a decodificação de palavras, em realizar uma leitura fluente, correta e compreensiva;
  • Teoria Magnocelular- atribui a dislexia a um déficit específico na transferência das informações sensoriais dos olhos para as áreas primárias do córtex.

Fato comprovado é que as crianças que apresentam maiores riscos de futuras dificuldades na aprendizagem da leitura são as que têm familiares com dificuldades na linguagem oral, na leitura e escrita, que apresentam desenvolvimento linguístico tardio, dislalias fonológicas, dificuldades na consciência fonológica, na identificação do nome das letras e dos sons que lhes correspondem, dificuldades de memorização dos nomes das cores, das noções temporais e do objetivo da leitura, conforme evidencia os estudos de Shaywitz et al. (1998).

Não foram raras também as atribuições a problemas comportamentais que afetam a leitura e escrita. Entretanto, o que se sabe hoje sobre as bases neurológicas da dislexia é que esta pode ser herdada. Além disso, encontramos na literatura relatos de manifestações clínicas complexas que abarcam os déficits na leitura, no processamento fonológico, na memória de trabalho, na capacidade de nomeação rápida, vocalização, coordenação sensório motora e, por muitas vezes, nas linguagens matemáticas. Os dados estatísticos provam que a prevalência é maior entre pessoas do sexo masculino e, diferente do que alguns mitos apregoam, o déficit cognitivo persiste ao longo da vida do sujeito, podendo ser amenizado com o diagnóstico precoce e intervenções precisas.

Sendo a prevalência desse transtorno uma constante frequência na população escolar, entre 5 e 17,5%, este estudo tornou imprescindível observar, investigar e agir mais de perto sobre essa realidade encontrada num CIEP, localizado na Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro. Os pesquisados têm em torno de 10 a 12 anos de idade, com laudo clínico e histórico familiar do transtorno de dislexia. Todos estão em distorção idade/série e, cabe ressaltar, foram entrevistados e tomaram ciência da importância do trabalho.

Esta pesquisa teve durabilidade de 3 meses com acompanhamento de duas psicopedagogas, duas professoras da Sala de Recursos, professores da classe regular e coordenação pedagógica. Todos os responsáveis estiveram cientes e passaram por entrevista inicial e anamnese, de onde foram coletados dados enriquecedores para a pesquisa e intervenção. Observou-se que esses alunos se encontravam sempre sentados em locais distanciados na classe regular.1

O acompanhamento psicopedagógico foi realizado a partir dos seguintes procedimentos pedagógicos implementados:

  1. Encontro com as professoras regentes duas vezes na semana. 
  2. Atendimento individualizado com o aluno, duas vezes na semana.
  3.  Encontro com a coordenação pedagógica, uma vez na semana. 
  4. Encontro com as professoras da Sala de Recursos sem alunos uma vez na semana.
  5. Acompanhamento na SEM com professoras e alunos duas vezes na semana.
  6. Devolutiva Psicopedagógica uma vez ao mês.
  7. Esporádicos encontros com equipe da área de Saúde por motivos maiores. O total é 4 alunos investigados em suas diversas atividades no espaço escolar.  Após a coleta de dados sobre o histórico desses alunos, buscou-se saber a opinião e entendimento da equipe escolar sobre o transtorno. Dos professores entrevistados, apenas 2 disseram conhecer o distúrbio, porém não conheciam meios interventivos.2

Tendo em vista essas opiniões, em sua maioria cristalizadas, deu-se início ao processo de estudos nos encontros com os professores de classe regular. Houve relutâncias pela crença de que o trabalho com alunos disléxicos está para além da escola.

Uma revisão nos planejamentos semanais permitiu perceber que a grade curricular prescrita era seguida de maneira engessada pela aplicação de conteúdos descontextualizados da realidade dos alunos, uso de apostilas e registro por cópias a partir do quadro. Tornou-se conveniente, pois, refazer alguns planejamentos aplicando determinados conhecimentos na área da neuroaprendizagem com os regentes de turma, a começar pela concepção de leitura e escrita e seus processos cognitivos.


1A tabela 1, na seção anexos do artigo,  faz referências às características semelhantes relatadas nas queixas.

2A tabela 2 , na seção anexos do artigo,  arrola os relatos que foram obtidos a partir da perspectiva dos professores.


Ao contrário do que se pensa, a leitura não é um processo natural. Requer da pessoa uma boa consciência fonológica, o conhecimento consciente de que a linguagem é formada por palavras, as palavras por sílabas, as sílabas por fonemas e que os caracteres do alfabeto representam esses fonemas. É necessário estabelecer a relação grafema/fonema. E esta competência não é tão simples assim posto que na linguagem oral (fala) não é possível perceber a audição separada dos fonemas. É indissociável na audição a leitura dos fonemas de maneira individualizada. Permanece a necessidade de conhecer o princípio alfabético e realizar os caminhos para a leitura de maneira automática. Daí ocorre o entendimento que as dificuldades de aprendizagem de leitura  estão relacionadas e possuem sua origem num déficit fonológico.  

O disléxico possui esse déficit fonológico que geralmente é identificado a partir do 3° ano do Ensino Fundamental, aproximadamente, no final do primeiro ciclo de alfabetização. Nesse período específico, poderíamos dizer que começam “os nós” do processo de ensino-aprendizagem. Uma sucessão de reprovações que arrancam a autoestima desses alunos e os segregam.

Um outro fato observado no lócus dessa pesquisa foi a presença de alunos que emitem sinais de distúrbios de aprendizagem, porém, sem um laudo e, inclusive sem vida pedagógica ativa – do processo educacional – dentro das salas de aula, fato que se destaca na indisciplina e que acaba se tornando seu passatempo ideal.

Entende-se que avaliar sem intervir não faz sentido, principalmente, se o objetivo for ultrapassar as dificuldades de aprendizagem. Portanto, coube implementar medidas de intervenção que se adequassem a cada caso específico, respeitando e priorizando a singularidade de cada estudante.  

Um dos mitos associados à dislexia, que é possível desconstruir, trata-se da imutabilidade e permanência das dificuldades na capacidade do aluno de aprender.  Acredita-se, com evidências em estudos, que há possibilidades de melhorias por meio de intervenções especializadas e que o diagnóstico precoce somado a elas podem ser uma grande chave na resolução dos efeitos da dislexia na apropriação da leitura.

Diante desses fatos, coube explicar à equipe docente alguns sinais de alerta observáveis mesmo antes do início da aprendizagem da leitura. Segundo a especialista Teles (2017), a linguagem e as competências leitoras emergentes são os sinais preditores mais relevantes de futuras dificuldades para a aprendizagem da leitura, enquanto as competências motoras e perceptivas não seriam preditores significativos.

Sally Shaywitz (2003) traz em seus estudos alguns desses sinais que podem indicar o transtorno da dislexia. E como parte da nossa pesquisa-ação, fizemos exposição deles junto aos professores. Os sinais estão distribuídos em dois grupos de problemas no processo de ensino-aprendizagem e se referem à leitura e à linguagem. Explicamos também, aos docentes que existem as dificuldades de linguagem.4

Esses foram alguns pontos intensamente discutidos nas semanas que seguiram o processo metodológico da pesquisa-ação e tinha como objetivo preparar a equipe para o trabalho que seria realizado, além de estreitar os conhecimentos sobre a dislexia. São entendimentos facilitadores do trabalho. Entre esses, estava a concepção inclusiva de perfil do aluno e a necessidade da atuação do docente, não pelas suas deficiências, mas por seus pontos fortes.  Dessa maneira, as estratégias foram montadas, por assim dizer, baseadas nas evidências de áreas fortes nos processos cognitivos superiores voltados para as pessoas disléxicas.5

Como se pode observar nos itens acima demonstrados e discutidos com a equipe, não há muitas diferenças do que deveria esperar do ensino intencional para todo tipo de aluno independente se possui ou não um distúrbio.  

As experiências, no campo da Pedagogia Moderna, apontam aulas interdisciplinares, contextualizadas com o cotidiano e áreas de interesses dos alunos. O trabalho pela oralidade como meios de promoção de uma aprendizagem significativa e abrangente. Nesse caso, o aluno disléxico necessitaria de tempo extra e olhares diferenciados sobre sua aprendizagem.  

Dessa maneira, mesmo sendo, em sua maioria, alunos analfabetos, até então, integrados na sala de aula quase sem recursos, partimos com o recurso da oralidade, utilizando exatamente os conteúdos do seu ano de ensino. Todas as orientações curriculares para o ano foram seguidas, porém contextualizadas com ludicidade e maiores recursos orais, englobando a turma como um todo. 

Foi conveniente trocar esses alunos de lugar e aproximá-los mais da regente. Todas as aulas tiveram seu início com exposição de gêneros textuais diversos.  Percebeu-se que se interessaram muito pelas crônicas. Utilizamos diversas vezes as crônicas, respeitando assim o centro de interesse do aluno. O planejamento interdisciplinar envolveu o uso desse gênero textual no desenvolvimento e integração de outras áreas do conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. 

Uma proposta de trabalho que sem dúvidas demonstrou ser útil foi a formação de grupos heterogêneos na resolução de todas as atividades. Formamos grupos de até 4 componentes, lembrando aos alunos a importância da cooperação e que todos podem e devem ajudar.


3A tabela 3, na seção anexos do artigo,  constam os itens discutidos com os professores acerca das possíveis dificuldades de leitura dos estudantes:

4  Ver a tabela 4 , na seção anexos do artigo.

5  Ver a tabela 5 , na seção anexos do artigo


Tarefas de auxílio ao professor foram delegadas a esses alunos disléxicos, intencionando melhorar sua autoestima. Todas as atividades que lhes causavam constrangimentos foram adaptadas para que pudessem participar.  

Entende-se mais uma vez que o uso do gênero crônicas na leitura e a produção livre aproximam os alunos da realidade em que vivem exatamente pelas especificidades do gênero textual que, como sabemos, está geralmente associado a fatos do cotidiano de pessoas comuns ou são fatos comuns à vida de qualquer sujeito. A partir desse gênero textual, fica mais tranquila a tarefa de elaborar situações-problema contextualizadas com os alunos e obter informações necessárias para outras disciplinas. 

Foram utilizadas, nessas formações de grupos, atividades lúdicas como jogos de aprendizagem que incentivam e estimulam a memória de trabalho.

Todas as atividades lúdicas obtiveram plena participação dos alunos disléxicos.  Na Sala de Recursos, foram adotadas atividades de alfabetização, psicomotricidade, estímulos à memória e percepção visomotora. Notou-se entre os alunos disléxicos e outros com outras dificuldades de aprendizagem que, ao escreverem, seguravam o lápis de maneiras diferentes e específicas, nenhuma delas podendo se enquadrar como corretas. O traço do registro escrito dos alunos ora era forte e ora, muito fraco. A manifestação de dificuldades na coordenação motora fina eram notáveis. Movimentos de preensão com falhas. Apresentaram dificuldades no manejo de pinças, tesouras e pincéis. 

Sugeriu-se à coordenação pedagógica atividades de reforço no contraturno, uma vez que a dislexia não é enquadrada nas atividades da Sala de Recursos. E o acompanhamento pelo AEE é destinado a outras deficiências específicas. Na trajetória de intervenções na SRM, pudemos aplicar um pouco da recente Ciência da Leitura por acreditarmos como Morais (1997) se refere: “é corrente confundir a capacidade de leitura, os objetivos da leitura, a atividade da leitura e o desempenho de leitura”. 

A capacidade de leitura é o conjunto de recursos mentais que mobilizamos para ler, os objetivos da leitura são a compreensão do texto escrito. A atividade de leitura envolve o conjunto de processos cognitivos, sensoriais e motores, e o desempenho de leitura é o grau de sucesso obtido.  Por esses pressupostos e embasados nos estudos e materiais da psicóloga Teles, pelo Método Fonomímico, nos empenhamos em atividades com uso das técnicas oferecidas por ela.


6  Ver tabela 5 , na seção anexos do artigo


 

Importante ressaltar que o Método Fonomímico Paula Teles é um método fônico silábico e multissensorial, sequencial e cumulativo, sintético e analítico, explícito e intensivo e com monitorização sistemática dos resultados. Tem como objetivos prevenir as dificuldades de leitura, bem como estimular o desenvolvimento de   competências fonológicas.  

Segundo a autora: 

Este método propõe-se ser um contributo para a divulgação do conhecimento científico sobre a gênese das dificuldades subjacentes à aquisição da leitura e escrita e apresentar estratégias de ensino facilitadoras das aprendizagens. Permite às crianças iniciar a aprendizagem da leitura e da escrita mediante a realização de atividades multissensoriais, atrativas e motivadoras, em que a fundamentação e rigor científico estão sempre presentes, constituindo uma mais valia facilitadora desta aprendizagem. 

 

Utilizamos o método adaptando e contextualizando-o às idades do nosso público-alvo para não corrermos o risco da infantilização desnecessária. Portanto, junto aos alunos criamos diversos personagens animais associados às letras do alfabeto e escolhemos algumas músicas para dançarmos ou fazer mímicas, imaginando como aquele animal-fonema se comportaria. Durante a exibição, era necessário falar bem alto o som das letras e palavras em que ouvimos/pronunciamos esses sons. Em sequência, criamos o desenho do animal fonema e associamos às letras em relevo que eram ditas a partir do passar dos dedos sobre elas, por meio do reconhecimento tátil da forma. Aproveitamos para treinar o nome dos alunos utilizando colagem de barbantes sobre as letras, circulando as sílabas com esses barbantes coloridos e identificando sons similares ao seu nome em outros nomes. 

Reconhecendo a importância científica do método fonomímico como um meio, cabe destacar os fatores pesquisados e que embasam suas técnicas: 

  • Fônico-silábico – A aprendizagem inicia-se a partir dos sons da linguagem oral, que são associados aos desenhos das letras que os representam, apresentando de imediato a “fusão” das consoantes com as vogais;
  • Multissensoriais – As crianças ouvem, memorizam, cantam as cantilenas e fazem o respectivo gesto. Repassam com o dedo por cima das letras em relevo, executam e verbalizam os movimentos necessários à escrita; 
  • Sequencial e Cumulativo – Os conteúdos a aprender seguem a sequência lógica da aquisição da linguagem oral e os resultados dos estudos da psicologia cognitiva e das neurociências. O ensino inicia-se com os elementos mais básicos e fáceis da linguagem e progride gradualmente até aos mais complexos e difíceis. São ensinados os sons e o nome das letras;
  • que os representam, com o apoio musical das histórias-cantilenas, (as correspondências fonema grafema), como juntar os fonemas e as sílabas (fusão fonêmica e silábica), como separar as sílabas e fonemas (segmentação silábica e fonêmica), como ler palavras (fusões silábicas sequenciais) e finalmente como ler textos com fluência, precisão e compreensão. Os conhecimentos adquiridos são revistos sistematicamente a fim de manter e reforçar a sua memorização;
  • Ensino Sintético e Analítico- São ensinadas as operações de síntese e de análise. A síntese das correspondências grafemas fonemas para chegar às sílabas; síntese das sílabas para identificar as palavras, ensino explícito da fusão fonêmica para identificar as sílabas, a análise das sílabas para identificar os fonemas, o ensino explícito da Segmentação Silábica e Fonêmica;
  • Direto e Explícito – Os conceitos são ensinados direta e explicitamente.
  • Intensivo- As competências ensinadas são treinadas até a sua automatização. A automatização irá disponibilizar a atenção para aceder à compreensão dos textos;
  • Avaliação Diagnóstica -O plano educativo inicia-se com uma avaliação diagnóstica e rigorosa dos conhecimentos já adquiridos e a adquirir por cada aluno;
  • Monitorização dos resultados- Periodicamente é avaliada, e registrada em gráfico, a evolução das competências leitoras e ortográficas.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

No bojo de tantas informações, couberam atividades de estímulo e atenção utilizando ferramentas tecnológicas de games e jogos de alfabetização online. Ao final do período de investigações e intervenções com os alunos e profissionais, pode-se notar que a aproximação desses alunos com as hipóteses de melhorias em si já impulsionaram seu aprendizado, lançando uma semente de esperança. O contato com suas dificuldades dentro das intervenções e a busca por saídas que não só lhes excluíssem, mas, ao contrário, os incluíssem, de fato, no fazer do cotidiano escolar, contribuiu para aumentar o interesse desses alunos em seu processo de aprendizagem.

Observou-se, acima de tudo, a formação das competências leitoras em alunos disléxicos que passaram a estabelecer um vínculo necessário à leitura: a consciência fonológica.

O trabalho integrador de disciplinas, com intenso uso da oralidade, formação de grupos/equipes colaboradoras, a ludicidade e contextualização com a realidade observada e vivida pelos educandos, mostrou-se um instrumento eficaz na participação efetiva dos disléxicos.

A intervenção/orientação aos professores sem dúvidas consistiu na parte mais dificultosa por suas concepções de ensino, pelas burocracias invasivas ao trabalho docente, pelos constantes  eventos promovidos nas Unidades Públicas, salas superlotadas, falta de recursos humanos de apoio ao professor e parecia haver um certo desinteresse na busca pelo conhecimento por parte do professor(a).

Conclui-se assim que, embora haja grande difusão de políticas públicas e leis voltadas para o ensino especial,  grandes divulgações de pesquisas científicas comprovadas pela sua eficácia em identificar e intervir sobre a dislexia, corroborando com a possibilidade de oportunizar a esse público uma educação escolar de qualidade, ainda estamos distantes da devida capacitação  para a formação de professores.

O trabalho psicopedagógico nas Unidades de Ensino do Rio de Janeiro, além de desconhecido, é uma utopia distante da produção dos Parâmetros Curriculares, das Secretarias de Educação e do Projeto Político Pedagógico – PPP das escolas.

Fato é que, hoje, um disléxico necessita de mais do que  um laudo para ter suas avaliações adaptadas; ele precisa também de contar com a benevolência de professores e colegas de sala de aula. Além disso, é preciso considerar que, muitas vezes, as adaptações nas avaliações não são realizadas de maneira adequada. Paciência e resignação também são características a serem consideradas pelos disléxicos, haja vista o rol de reprovações que lhes aguardam para que obtenham um diploma de escolarização diante da distorção série/idade; já que, diante dessas reprovações, não é possível estar entre aqueles que foram privilegiados com a alfabetização na idade certa. Entretanto, as possibilidades de intervenções são reais e não fogem da realidade por serem aplicáveis e replicáveis independente do contexto e dessa maneira disciplinando o olhar sobre a dislexia e o estudante disléxico, oportunizando uma educação permeada por práticas inclusivas e libertadoras.


5 ANEXOS








 

6. REFERÊNCIAS

DSM-IV. American Psychiatric Association (1994). Manual diagnóstico y estatístico de transtornos mentais. 4ª Ed. Washigton, 1994.
DSM-5. American Psychiatric Association (2013). Manual diagnóstico y estatístico de transtornos mentais. 5ª Ed. Arlington: American Psychiatric Publishing; 2013.
JARDINI. Renata. Dislexias. Local/Editora/edição. Ebook. 2010.
JARDINI, RSR; RUIZ, LSR. Protocolo Lince de Investigação Neurolinguística – PLIN. Bauru: Boquinhas, 2014.
MORAIS, J. A arte de ler, psicologia cognitiva da leitura. Lisboa: Cosmo, 1997.
PRINGLE, MORGAN, Pringle Williamorgan. A case of congenital word blindness. British Medical Journal: 1896.
SHAYWITZ, SE. Dyslexia. Engl: J MED, 1998.
SHAYWITZ, SE, Shaywitz BA, Fletcher JM, Escobar MD. Prevalence of reading disability in boys and girls: results of the Connect, 1998.
SHAYWITZ, SE. Overcoming Dyslexia. New York: Alfred A. Knopf, 2003.
TELES, Paula Machado. Dislexia – da Teoria à Prática. Lisboa: Distema, 2014.
WORLD FEDERATION OF NEUROLOGY, 1968. Critchley, 1970.


COMO CITAR
CAMARGO, Marcelle Regina da Silva. DISLEXIA: POSSÍVEIS INTERVENÇÕES EM CONTEXTOS ESCOLARES. In: Revista Sala de Recursos, vol.3, n.1, p., jan. – jun. 2022. Disponível em:<https://www.saladerecursos.com.br>.  

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