Altas

ARTE: ALTAS HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO

Entrevista

Wellington de Oliveira


Wellington de Oliveira: Artista da cena, arte-educador e produtor cultural; Doutorando em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e em Artes Cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em regime de cotutela internacional. Mestre em Artes e graduado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília. Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, atuando na Sala de Recursos de Altas Habilidades de Planaltina-DF.


A Sala de Recursos Revista tem o prazer de apresentar o professor Wellington de Oliveira, um artista da cena, arte-educador e produtor cultural que está deixando sua marca no campo da educação. Com um currículo impressionante e uma vasta experiência, Wellington traz consigo um conjunto diversificado de habilidades e conhecimentos que enriquecem seu trabalho como educador.

Com uma formação sólida e abrangente permite que ele explore as interseções entre a arte e a educação de maneiras inovadoras, Wellington atualmente atua como professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, na Sala de Recursos de Altas Habilidades de Planaltina-DF. Sua dedicação à educação inclusiva é evidente em seu compromisso em proporcionar um ambiente de aprendizado enriquecedor para estudantes com altas habilidades ou superdotação em Artes Cênicas. Sua experiência como arte-educador e produtor cultural traz uma abordagem criativa e dinâmica ao processo educacional, inspirando os alunos a explorarem suas capacidades artísticas e a se expressarem de maneira única.

Nesta edição da revista, teremos o privilégio de explorar a visão de Wellington sobre a Altas Habilidades ou Superdotação nas Artes Cênicas e sua abordagem única no trabalho com estudantes com altas habilidades. Seus insights e práticas inovadoras certamente nos inspirarão a conhecer mais sobre o assunto e a expressão destes talentos.


SR: Sala de Recursos Revista

Wellington, fale um pouco sobre sua trajetória e formação.

Wellington de Oliveira

Eu sou licenciado em Artes Cênicas e Mestre em Artes pela Universidade de Brasília – UnB. Estou concluindo o doutorado em Educação Artística na Universidade do Porto e em Artes Cênicas pela UniRio, em regime de cotutela internacional. Minha trajetória no teatro começou ainda criança, dentro da escola pública, a partir do incentivo de professoras que perceberam um potencial diferenciado para o campo teatral. Passei toda a infância sendo muito estimulado e incentivado na escola. Na adolescência, passei por alguns grupos de teatro e comecei a fazer várias oficinas, momento em que confirmei a minha escolha profissional. Prestei o vestibular da UnB já com o desejo de ser professor de Teatro e consegui seguir essa trajetória, ingressando na Secretaria de Educação do Distrito Federal, em 2013. Atualmente, sou professor na Sala de Recursos de Altas Habilidades e Superdotação na área de Artes Cênicas, em Planaltina-DF.

SR: Sala de Recursos Revista

Qual é o processo de seleção dos alunos para participarem do Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades e Superdotação na área de Talento – Artes Cênicas em Planaltina?

Wellington de Oliveira

Os estudantes, geralmente, são encaminhados para a Sala de Altas Habilidades por professores das escolas em que estudam, mediante o preenchimento de uma ficha de indicação. Também realizo buscas ativas nas escolas e oficinas para identificar estudantes que possuem notório interesse e habilidades que podem ser desenvolvidas. Após essa identificação prévia, eles começam a participar das atividades e passam por um período mais longo de observação, que pode chegar a até 16 encontros. Ao longo desse período são acompanhados por mim (professor de teatro) e por uma psicóloga, onde avaliamos a resposta aos diversos estímulos e proposições feitas ao longo do processo de observação. Assim, seguindo o referencial orientado pela Secretaria de Educação do DF, observamos se os estudantes apresentam características ou comportamentos indicativos de Altas Habilidades, conforme o modelo dos Três Anéis do Joseph S. Renzulli: habilidades gerais acima da média, elevado grau de criatividade e motivação/envolvimento com a tarefa. Identificadas essas características, o estudante é efetivado no Atendimento Educacional Especializado e pode ser acompanhado ao longo de toda a trajetória escolar, desde que continue apresentando e desenvolvendo tais comportamentos.

 

” realizo buscas ativas nas escolas e oficinas para identificar estudantes que possuem notório interesse e habilidades que podem ser desenvolvidas. Após essa identificação prévia, eles começam a participar das atividades e passam por um período mais longo de observação, que pode chegar a até 16 encontros.”

SR: Sala de Recursos Revista

Quais são as principais técnicas ou estratégias que você utiliza para motivá-los, encorajá-los a se desafiarem continuamente e continuar avançando?

Wellington de Oliveira:

Uma das estratégias que proponho nos primeiros encontros com os estudantes é o mapeamento das competências/habilidades que eles consideram ter e do que já sabem. Conforme as atividades vão avançando, proponho outro momento de mapeamento das “incompetências conscientes”, ou seja, aquilo que o estudante descobriu ainda não saber. Essa estratégia reafirma o que eu disse acerca da ideia de talento e criatividade como resultantes de um envolvimento intenso com as tarefas, pois partimos de uma perspectiva do conhecimento como um processo: o ponto de partida será sempre do reconhecimento de que temos muitas “incompetências inconscientes”. Em seguida, quando os estudantes se mostram “conscientes das incompetências” – dos não saberes – proponho uma série de atividades empenhadas em aprender/dominar determinada técnica, para que possam chegar ao saber fazer – à consciência da competência. Quando percebem que já sabem fazer, partimos para a etapa mais avançada de aperfeiçoamento, visando atingir um nível de maestria chamado de “competência inconsciente”, aquele estágio onde fazemos as coisas sem sequer precisar pensar sobre elas. Em resumo, acredito que esse percurso desafia os estudantes ao aprofundamento de suas habilidades, pois todo o processo é orientado para uma apropriação das técnicas teatrais, partindo da consciência do que ainda não dominam e seguindo em direção ao domínio mais intuitivo delas. Sempre ressalto aos estudantes que as pessoas chamadas de “talentosas” são aquelas que já trazem consigo esse grau de conhecimento intuitivo.

Já em relação às técnicas, especificamente as teatrais, é importante ressaltar que há muitas maneiras de fazer. Qualquer técnica no campo artístico emerge da experiência e da experimentação, pois é no ato da criação e conforme as demandas do processo que o estudante-artista percebe as múltiplas possibilidades e vai tecendo espontaneamente as variadas técnicas. Dito isso, gostaria de destacar que tenho como bases orientadoras dos processos pedagógicos e de direção teatral a “técnica de solução de problemas” e o sistema dos “Jogos Teatrais” propostos por Viola Spolin. Nessa perspectiva, trabalho com a ideia de teatro enquanto um jogo com regras e objetivos, além de situar os estudantes como jogadores. Nos processos de ensaio e treinamento, as questões que permeiam a cena – espacialidade, temporalidade, foco, marcação, personagens, emoção, projeção vocal, entre outros – são apresentadas como problemas que precisam ser solucionados. Assim, os estudantes-atores-jogadores devem desenvolver estratégias para solucionar os problemas da cena, envolvendo-se de maneira física, intelectual e intuitiva com as demandas da criação artística. É importante destacar que essa perspectiva de jogo envolve os estudantes dentro de um objetivo no qual devem se concentrar em resolver, inclusive afastando a possibilidade de avaliar os processos de criação com julgamentos de “bom” ou “ruim”.

Quando comecei a trabalhar com estudantes de Altas Habilidades, identifiquei em muitos uma necessidade de “aprovação” de qualquer coisa que faziam, algo que os desconectava dos aspectos experienciais da criação teatral. Havia uma preocupação maior em exibir seus “talentos” e receber a aprovação do professor, em vez de focar na descoberta de novas possibilidades. Por outro lado, quando vinha a “desaprovação” a tendência era a timidez e o afastamento das atividades. Dessa maneira, encontrei no sistema dos Jogos Teatrais e na técnica de solução de problemas um dispositivo que desafia os estudantes a se envolverem com a cena e a criação, pois eles devem se concentrar em “jogar o jogo” para resolver os problemas apresentados. Assim, cria-se um ambiente repleto de regras e desafios que devem ser solucionados coletivamente, eliminando a competição e as formas de avaliação baseadas em maneiras “certas” ou “erradas”. O foco, portanto, é se os problemas da cena foram solucionados, conscientes de que o resultado final é sempre consequência de um processo. Há muitas formas de construir um percurso! Essa é uma das afirmações cotidianas que faço em sala de aula.

SR: Sala de Recursos Revista

Você tem um histórico de apresentações na comunidade. Conte como é a preparação para estas apresentações teatrais, inclusive em espetáculos e apresentações que buscam uma maior proximidade com o público e promovem a democratização do acesso à cultura e às artes cênicas. Você e seus alunos possuem uma metodologia específica para ensaios e performance?

Wellington de Oliveira

Ser professor de Artes Cênicas dentro da escola levou-me a pensar mais profundamente sobre os vínculos das minhas práticas com as comunidades envolvidas. Qual o sentido das práticas teatrais em cada contexto? Que saberes e manifestações culturais das comunidades podem ser incorporados nas práticas artísticas? Como a escola pode ser um espaço de reconhecimento e valorização das produções culturais dos próprios estudantes e de suas comunidades? Essas questões me aproximaram de um campo de estudos e investigação denominado Teatro em Comunidade, cujas metodologias e propostas de criação buscam o envolvimento das comunidades nos processos de criação. Assim, priorizamos processos de criação colaborativos, em que os espetáculos são baseados em inquietações, debates, e/ou histórias emergentes dos próprios contextos comunitários. Nessa perspectiva, nossas metodologias de ensaio e apresentações costumam partir de atividades que consistem no desenho de “mapas da vida”, entrevistas com pessoas da comunidade, cartografias afetivas e geográficas dos espaços da cidade, entre outras. A ideia de envolver os referenciais de cada local é passar de uma simples noção de democratização cultural para uma democracia cultural, pois não apenas circulamos espetáculos e oferecemos o acesso às produções teatrais, pelo contrário, destacamos o lugar das próprias comunidades enquanto produtoras de cultura.

SR: Sala de Recursos Revista

Como a comunidade recebe os espetáculos teatrais produzidos por seus alunos com Altas Habilidades?

Wellington de Oliveira

A experiência tem sido muito reveladora acerca do trabalho que estamos desenvolvendo, pois, o retorno dos familiares dos estudantes e das pessoas da comunidade que assistem as apresentações tem sido muito positivo. Com o espetáculo “Quarto de Sonhar: Carolina Maria de Jesus”, apresentado em dezembro do ano passado, recebemos muitos elogios destacando a qualidade técnica e artística do trabalho, sempre com afirmações de que não parecia ser um teatro de escola. Acho essas falas bastante interessantes, pois afirma que nós estamos desconstruindo uma percepção de que não se produz teatro de qualidade na escola. Para os estudantes com Altas Habilidades, o ato de apresentação dos espetáculos é essencial, visto que o contato com a plateia é uma parte concreta do processo de desenvolvimento das habilidades teatrais. Além disso, assumem um papel relevante de circular na comunidade alternativas de programação cultural, visto que são poucos os espetáculos que chegam às periferias. Nas duas apresentações que fizemos do espetáculo Quarto de Sonhar, tivemos quase 700 pessoas lotando o Complexo Cultural de Planaltina, um excelente indicador de que temos um público bastante receptivo.

SR: Sala de Recursos Revista

Como você incentiva os alunos a serem criativos e a explorarem suas próprias ideias e visões nas suas performances teatrais

Wellington de Oliveira

Como falei anteriormente, acredito que a criatividade está associada ao comprometimento contínuo com uma atividade ou linguagem artística. Portanto, sempre enfatizo a necessidade do ensaio, do treinamento das técnicas teatrais e, principalmente, a desconstrução do sentido negativo do errar. Sempre incentivo os estudantes a tentarem colocar em práticas as suas ideias e a não desistirem na primeira tentativa, pois, sendo o teatro uma arte viva, estamos sujeitos aos acasos temporais, espaciais, coletivos, entre outras coisas que não temos como controlar. Repito sempre a fala de um professor de um curso de design colaborativo que fiz: em vez da gente brincar com os dragões é melhor aprendermos a dançar com eles. Portanto, estimulo a inventividade, a experimentação de possibilidades de fazer, a tentativa, a curiosidade e a reflexão constante sobre o fazer. E sempre destaco: a crise é um grande detonador da criação artística!

SR: Sala de Recursos Revista

Como você avalia o impacto do Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades ou Superdotação na área de Talento – Artes Cênicas em Planaltina na vida dos alunos a longo prazo?

Wellington de Oliveira

Estou nas Altas Habilidades há pouco mais de um ano, mas trabalho como professor em Planaltina há quase 11 anos e acompanho o trabalho da Sala de Altas Habilidades desde que estava na graduação em Artes Cênicas. Na Universidade de Brasília tive vários colegas de turma que haviam passado pelo atendimento e, também, pude acompanhar várias apresentações dos estudantes das Altas Habilidades em várias edições do Festival de Teatro Na Escola, realizado pela Fundação Athos Bulcão. A professora anterior, Isabel Cavalcante, por muitos anos realizou um trabalho de excelência, algo que deu muito destaque para o Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades – Artes Cênicas, de Planaltina. Estiveram em vários festivais de teatro estudantil, participaram de uma série do programa Salto Para o Futuro, da TV Escola, e de vários projetos do Ministério da Educação. Muitos estudantes se profissionalizaram na área teatral e seguiram trajetórias artísticas, tendo vários nomes bastante conhecidos no circuito cultural do DF. O AEE em Altas Habilidades é um serviço essencial, principalmente em contextos periféricos, onde as oportunidades de contato com a linguagem teatral são bastante limitadas. É um espaço essencial para estimular os novos talentos, orientar as trajetórias dos estudantes, potencializar seus projetos de vida e, principalmente, torná-los conscientes dos seus papéis na construção de uma sociedade mais justa para todos nós. A história dos muitos estudantes que já passaram por aqui confirma isso

O AEE em Altas Habilidades é um serviço essencial, principalmente em contextos periféricos, onde as oportunidades de contato com a linguagem teatral são bastante limitadas. É um espaço essencial para estimular os novos talentos, orientar as trajetórias dos estudantes, potencializar seus projetos de vida e, principalmente, torná-los conscientes dos seus papéis na construção de uma sociedade mais justa para todos nós.

 

GALERIA

Nota: As imagens contidas nesta entrevista fazem parte do acervo pessoal do professor Wellington de Oliveira e recai sobre elas a política de direitos autorais.

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