Entrevista
Alexandre David Zeitune
Audiodescrição: Ray Oliveira
Locução:Lunna Mara
Alexandre David Zeitune: Graduação em Ciências Biológicas – Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP(1998). Mestrando no Centro de Desenvolvimento Sustentável – UnB. Pós-graduação lato sensu em Gestão Ambiental pela Universidade Estadual de Goiás (2001). Especialização em Atualização em Avaliação Socioambiental, FIOCRUZ (2004). Especialização em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional, FAMEESP (2021) . Estagiou no Instituto Biológico de São Paulo, Faculdade de Medicina -USP e Instituto de Ciências Biomédicas ICB-USP. Foi responsável pelo biotério da Universidade Católica de Brasília, Gerente de Qualidade da Bioagri Laboratórios Ltda, Assessor Técnico da CTNBio -MCT, Consultor PNUD no IBAMA-DF, Chefe do Serviço de Mamíferos do Jardim Zoológico de Brasília. Cofundador da Roboowl Escola de Robótica. Atualmente é professor de Ciências e Biologia da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (2003). Com experiência na área de robótica educacional e educação especial, como Professor da Sala de Recursos de Altas Habilidade/Exatas da Regional de Sobradinho – DF
http://lattes.cnpq.br/2144811921562471
Atualmente, a robótica e suas tecnologias estão presentes em diversos setores da sociedade e até mesmo em nossas casas, tornando tarefas domésticas e cotidianas, como: aspirar, limpar, cortar grama muito menos exaustivas.
Já a robótica educacional é a atividade de aprendizagem com foco na pesquisa, descoberta e construção de máquinas, que são os produtos da aquisição de conhecimentos. Isso depende de kits de montagem ou ainda transformação de outros materiais: sucatas e itens recicláveis, entre outros. Além disso, contam bastante: a imaginação, o esforço e a dedicação dos alunos atendidos em sala de recursos altas habilidades ou superdotação.
Sobre esse assunto, entrevistamos Alexandre David Zeitune, professor de robótica no Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades ou Superdotação Sobradinho-DF, na unidade escolar: Centro de Ensino 08, que nos conta que no processo de planejamento e estruturação de robôs, os estudantes de diferentes idades têm estímulo e benefícios no raciocínio lógico, na criatividade, na organização, na comunicação e desperta várias habilidades cognitivas
PodCast da Entrevista
Locução – Lunna Mara
SR: Programação e robótica é só para meninos?
Alexandre: Isto é um problema e eu tenho poucas meninas como alunas. Nossa sociedade, infelizmente, tem um pensamento que direciona os cursos de exatas, engenharias mais para os meninos. Isto atrapalha muito, pois a robótica não tem gênero e nada deveria ter esta distinção. Mas aqui, quando uma aluna é indicada para o atendimento de Ciências e Robótica, ela é uma aluna muito acima da média populacional, ela é excelente. Ou seja, as pessoas tem absoluta e clara certeza que ela é altas habilidades ou superdotação. Então, chegam poucas meninas ao atendimento. As pessoas preferem indicar meninos para um curso de robótica e isso gera um número reduzido de meninas no atendimento.
Robótica é para todos. E não é só para alunos com Altas Habilidades. É para qualquer aluno! É claro que os nossos alunos se beneficiaram primeiro nesta situação, pois as salas de recursos, o atendimento altas habilidades estavam mais dispostos a aprender estes recursos para apresentar aos seus alunos. Até mesmo porque os alunos com altas habilidades chegam com muito interesse em robótica e o profissional precisa estar sempre se atualizando.
Hoje, escutei em um podcast que falava sobre isso. Na Secretaria de Educação do Rio Grande o Sul, foi apresentado curso de robótica aos professores das salas de recursos. Não existe um curso específico de robótica destinado aos professores. O que está sendo feito lá é um projeto piloto e eu mesmo já tentei uma vaga, mas não fui contemplado porque provavelmente as vagas são prioritárias para os professores da rede pública do estado. Mas qualquer professor pode ser um professor de robótica, só precisa gostar muito desta área e procurar formação.
SR: Tem uma faixa etária ideal para que o estudante comece a estudar robótica?
Alexandre: Alguns anos atrás eu imaginava que o aluno precisava estar no 2º ou 3º ano do ensino fundamental – séries iniciais. Mas, aprendi uma coisa diferente e o tempo nos leva a aprender muito. Com a chegada do meu filho, ele com 3 anos já montando blocos de lego, começo a imaginar que no momento que ele começa a construir coisas, desenvolver a criatividade, edificar a partir de suas próprias ideias: quando me fala “isso é um robô, papai”, então esse é o momento desenvolver a robótica educacional.
SR: Quais são os kits e softwares com os quais trabalha? (custo, acessibilidade, manutenção, etc). É preciso um investimento muito alto para comprar materiais para começar um trabalho nas escolas?
Alexandre: Hoje, conseguimos trabalhar com robótica até com sucatas. Confesso que não comecei assim, mas com kits prontos de empresas que estavam investindo em robótica educacional. Sei que o trabalho com sucatas dá um pouco de trabalho e os resultados demoram um pouco mais. Contudo, podemos começar com material reciclado. Já fizemos várias oficinas assim e é muito legal, envolvente. É legal garimpar componente eletrônico. Temos uma aula só sobre isso, na qual levo ferramentas e abrimos impressoras e outros equipamentos. Existe muito produto bom e caro dentro deste universo que chamamos “lixo tecnológico”, que dá para utilizar dentro da robótica educacional, principalmente numa robótica mais livre, como Arduino. Todavia, recomendo também começar com kits prontos, como Lego ou Vex. A aprendizagem do professor acaba sendo mais rápida através destes kits.
Na minha sala de aula, temos vários kits, pois sou entusiasta e tenho 3 kits da Lego, um Arduino, o Raspberry Pi, o Microbit e considero como kit os simuladores dos computadores. São muito úteis, principalmente quando precisamos desenvolver a autonomia do aluno.
Um kit de robótica não é barato, então dar um kit desses para o aluno e dizer “faz o que você deseja fazer” é certeza que ele vai queimar e isto vai ser rápido. Se você trabalha com esses kits e com simuladores, é muito mais seguro. Sou entusiasmado com o uso de simuladores e você pode testar o que você quiser e se não queimou, você leva para a vida real. O Arduino barateou muito essas propostas, principalmente com uma pegada de robótica livre.
SR: Quais os cursos, formação técnica e pedagógica que um professor precisa para começar a trabalhar com Robótica Educacional?
Alexandre:
Professor de qualquer área pode trabalhar com robótica. Hoje, podemos aprender bastante no YouTube e recomendo, para iniciar, assistir a vídeos para se familiarizar com o assunto. Aqui no Distrito Federal, a Secretaria de Educação, através da Escola de Aperfeiçoamento do Profissionais de Educação, apresentou vários cursos de robótica, inclusive utilizando simuladores. Durante a pandemia, foi bem comum esta prática. Atualmente, após o retorno presencial, os cursos têm um formato híbrido com uma parte online, utilizando simuladores e uma parte presencial. Uma dica importante: faça cursos de robótica com as plataformas que mais te interessarem e comece a montar as aulas e trabalhar com seus alunos. Aprender sobre robótica é muito interessante, entretanto, aprendemos mesmo com a prática nas aulas com os estudantes.
SR: Você pode citar exemplos, aplicabilidades, projetos dos estudantes da robótica no Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades ou Superdotação Sobradinho?
Alexandre: Há tempos, começamos desenvolver projetos bem interessantes, entre eles uma impressora, que produzimos do zero. Usamos por dois anos, sendo um aprendizado, pois ela precisava de muita manutenção. Robôs de resgate, que montamos em escala de até 1m, para ajudar em resgates em locais de difícil acesso.
Braços robóticos, não para indústria, mas para ensinar os estudantes usarem estes braços da indústria dentro do laboratório. Aprendemos muito sobre movimento de eixo dos braços. Robôs de monitoramento de tubulações, muito útil.
Drones e equipamentos de automação residencial. Como por exemplo uma cortina inteligente, que sobe e desce com comando de voz ou com aplicativos desenvolvidos pelos estudantes. Sistema de segurança, que avisa se uma porta está aberta ou fechada por aplicativo. São coisas que desenvolvemos em forma de teste, mas que tem aplicabilidade real.
Atualmente, estamos trabalhando numa extrusora para filamento de impressora 3D. O filamento não é um produto barato e se conseguirmos produzir nosso próprio filamento de garrafas pet, estaremos reciclando e economizando na construção de um produto real que usaremos muito em nossa sala.
SR: Como professor na área da robótica, quais as principais dificuldades que você identifica que impedem que os jovens tenham um contato maior com a robótica?
Alexandre: No início, o maior problema que via, era a formação. Fizemos, Prof. Lucy e eu, o primeiro curso de robótica com o professor Isaías Cabral. Ele foi meu primeiro professor de robótica, pela Escola de Aperfeiçoamento de Profissionais de Educação em 2017. Agora, graças à mobilização de instituições, o curso de robótica está bem difundido. Mas, o maior problema é oferecer às crianças estes cursos.
Este ano, aconteceu uma coisa bem interessante, pois fui convidado para ser o coordenador pedagógico de um curso de robótica itinerante, para as escolas públicas do DF, chamado Caminhão da Tecnologia. Uma projeto de parceria da Secretaria de Ciência e Tecnologia do DF, com financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa DF – FAPDF e uma empresa chamada Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação – RBCIP. A RBCIP ficou de organizar todo o curso e a ideia funcionou muito bem, pois é um caminhão que vai para as escolas públicas, abre dentro do estacionamento e vira um grande laboratório de robótica. São 3 veículos: dois caminhões e uma carreta gigante. Cada caminhão tem a capacidade de 20 alunos e a carreta de 40, com potencial de formação de muitos alunos por semana. A meta é 6 mil estudantes, mas em breve ultrapassamos isto, e no recesso escolar estes caminhões estarão trabalhando com instituições de acolhimento de crianças. Esta é a parte mais interessante do projeto. Se atender crianças da escola pública já foi legal, desenvolver com as crianças acolhidas foi muito bom.
É um sistema híbrido, no qual, se tem aulas práticas no caminhão. Ao mesmo tempo se pode acompanhar as aulas teóricas com simuladores. Acabei colocando este planejamento com simuladores, pois ajudam muito. Constatei que foram fundamentais para minhas aulas online durante a pandemia. Os alunos tem aulas no simuladores online e deforma prática presencialmente.
Políticas públicas que invistam em robótica educacional ainda são poucas. O exemplo do caminhão foi uma iniciativa que surgiu este ano. A ideia é que projetos assim se tornem políticas públicas e pudesse atender constantemente nossos alunos aqui no DF.
SR: Você atua com Robótica há muitos anos. Quais tem sido os impactos e resultados da robótica na construção acadêmica e na vida dos alunos?
Alexandre:
Quando temos alunos de AHSD, ele fica muito tempo conosco no atendimento e, de fato, criam vínculos e afetividade. Conseguimos, às vezes, ficar sete anos com o mesmo estudante. E quando eles vão para o meu atendimento é muito forte o interesse na área de exatas. É comum eles entrarem em universidades públicas nas áreas de exatas. Isto não é surpreendente, porém vejo muitos já na área de pesquisa, com bolsas de pesquisa, em laboratórios.
Muitos saem da minha sala com currículo Lattes e, até mesmo porque eles acabam ganhando bolsa de Iniciação Científica Júnior-ICJ do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. Uma bolsa muito importante, que precisa existir sempre. Pois é uma maneira do estudante ingressar na pesquisa, construir seu currículo Lattes, apresentar relatórios, um trabalho de conclusão da bolsa. Eu fico muito feliz quando vejo nossos estudantes na área de pesquisa e tecnologia.
” Este ano, aconteceu uma coisa bem interessante, pois fui convidado para ser o coordenador pedagógico de um curso de robótica itinerante, para as escolas públicas do DF, chamado Caminhão da Tecnologia. Uma projeto de parceria da Secretaria de Ciência e Tecnologia do DF, com financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa DF – FAPDF…”
Alexandre David Zeitune
SR: Já temos alguns anos e algumas poucas práticas educacionais com a robótica no Brasil, o que você considera que serão os desafios futuros da robótica educacional?
Alexandre:
O maior desafio é ampliar o ensino de robótica. Eu não vejo isto como uma disciplina, vejo de forma interdisciplinar. De alguma forma, todos os professores poderão usar a robótica em suas aulas e será uma excelente ferramenta para o desenvolvimento do currículo. Este é o maior desafio, ampliar o ensino da robótica, não como disciplina, mas de forma interdisciplinar.