Amanda da Costa Soares Martins é professora com mais de uma década de experiência e coordenadora do MOAB dedicada em Sobradinho, onde atua há dois anos acolhendo famílias de pessoas com TEA e outras deficiências. Formada inicialmente em Letras, Amanda iniciou, em 2013, sua graduação em Pedagogia para atender melhor estudantes com necessidades educativas, graduando-se em 2017, após uma breve pausa para cuidar do filho Rafael, que enfrentou um longo período de internação. Ao concluir Pedagogia, Amanda teve a certeza de que a Educação Especial seria seu caminho profissional. Em 2018, passou em um concurso para contrato temporário da SEEDF e, desde então, tem trabalhado em classes voltadas para estudantes com Deficiências Múltiplas e TEA. No início de 2024, realizou o sonho de assumir como professora efetiva da SEEDF e, atualmente, leciona na Escola Classe 16 de Sobradinho, em uma classe específica para TEA. Além de seu trabalho na educação, Amanda é voluntária no Movimento Orgulho Autista do Brasil (MOAB), uma das maiores organizações do país voltadas à causa do Autismo, fundada em 2005. No MOAB, Amanda acolhe famílias, promove a troca de informações e contribui para ações de conscientização, como a elaboração de leis e a organização de eventos de apoio.
Uma mãe, professora e defensora dos direitos das pessoas com TEA
Amanda da Costa Soares Martins
Conversar com a professora Amanda Costa sobre inclusão é como ter esperança em dias e tempos melhores, mais auspiciosos para educação brasileira, principalmente para educação especial. Hoje, Amanda representa a força das mães atípicas e sua capacidade de transformar desafios em ações significativas. Ela inspira a comunidade a acreditar na inclusão e no potencial de cada indivíduo, independentemente dos diagnósticos. Amanda é uma mulher forte, mãe de três filhos, Gabriel, Rafael e Guilherme, cada um com diagnósticos únicos que trouxeram desafios e transformações para sua família. Professora e coordenadora do Movimento Orgulho Autista do Brasil (MOAB) em Sobradinho (DF), ela dedica sua vida a apoiar famílias de pessoas com autismo e outras deficiências, oferecendo acolhimento e mobilizando recursos e políticas inclusivas.
Seu filho Gabriel, diagnosticado com autismo aos 8 anos, após uma longa jornada de consultas médicas, segue uma rotina estruturada que ajuda a reduzir o estresse e a ansiedade. Além da Sala de Recursos, Gabriel participa de psicoterapia, terapia ocupacional, e outras atividades que incentivam sua autonomia e desenvolvem suas habilidades. Já Rafael, diagnosticado com TEA aos 2 anos, enfrenta desafios múltiplos devido à hidrocefalia e à Síndrome de Bickers Adams. Ele é dependente nos cuidados diários e realiza sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, beneficiando-se dos serviços oferecidos por uma OSC financiada pelo Governo do Distrito Federal.
Guilherme, o terceiro filho, também possui a Síndrome de Bickers Adams, o que intensifica o compromisso com uma rotina dedicada e ajustada às necessidades de cada um de seus filhos. A família reorganizou sua vida para oferecer a eles o melhor suporte possível, promovendo adaptação nas rotinas e até ajustes na alimentação para garantir um ambiente acolhedor e seguro para todos.
Amanda acredita que a Lei Berenice Piana é um avanço essencial para garantir os direitos das pessoas com autismo e espera que essa conquista fortaleça o respeito e a aceitação de seus filhos e de outras pessoas com TEA na sociedade. Embora o acesso a terapias e serviços de saúde pelo SUS seja limitado e com longas filas de espera, ela mantém sua luta ativa, pois deseja um futuro de mais igualdade e compreensão.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais são os nomes e idades dos seus filhos? (Somente o primeiro nome)
Amanda da Costa Soares Martins:
Guilherme (15), Gabriel (13) e Rafael (8).
SR: Sala de Recursos Revista:
Como foi o diagnóstico de autismo dos seus filhos? Como foi o início, a descoberta do autismo?
Amanda da Costa Soares Martins:
Meus filhos, Gabriel e Rafael, são autistas; porém, o Rafael tem, na verdade, múltiplas deficiências. Guilherme possui uma síndrome rara chamada Síndrome de Bickers-Adams. Quando Gabriel tinha cerca de 4 anos, levei-o ao neuropediatra devido a uma crise convulsiva. Na ocasião, relatei algumas ‘manias’ que ele apresentava e que não achava muito comuns, como enfileirar e organizar certos brinquedos sempre da mesma forma e sua facilidade em dizer palavras em inglês, como cores e números. Lembro que, na época, o médico explicou que, para estar dentro do espectro, Gabriel precisaria preencher mais alguns critérios, como atraso de fala, dificuldade de interação social, entre outros.
O tempo foi passando, mas meu coração não se aquietava; mudei de neuropediatra e busquei também a ajuda de uma psicóloga, pois Gabriel havia começado a recusar diversos tipos de alimentos, limitando-se a comer apenas laranja, manga, pipoca e suco. Por fim, procurei também um psiquiatra. Juntos, o neurologista, a psicóloga e o psiquiatra diagnosticaram Gabriel com TEA – Transtorno do Espectro Autista. Na época, ele já estava com quase 8 anos. Foi quando meu mundo desabou, pois ele era aquele filho que eu acreditava que cuidaria dos irmãos na minha ausência, que realizaria vários sonhos que, na verdade, eram meus, não dele.
Foram dias com o coração apertado, e eu só chorava ao apagar as luzes ou no momento do banho. Mas, como sempre, após o luto, vem a luta! Durante a gravidez do Rafael, soube que ele nasceria com hidrocefalia e, alguns meses após o nascimento, descobrimos que essa hidrocefalia estava ligada ao cromossomo X, ou seja, a mim. O nome da síndrome é Bickers-Adams, que causa atrasos globais no desenvolvimento. Após dois anos, o neuropediatra, observando alguns comportamentos, também diagnosticou Rafael com TEA. Mas, nesse momento, eu já estava tranquila e já havia entregado meus filhos para que Deus fizesse a vontade d’Ele.
acredito que a Lei Berenice Piana é um avanço essencial para garantir os direitos das pessoas com autismo e espera que essa conquista fortaleça o respeito e a aceitação de seus filhos e de outras pessoas com TEA na sociedade. Embora o acesso a terapias e serviços de saúde pelo SUS…
Amanda Soares
SR: Sala de Recursos Revista:
Com o diagnóstico, quais mudanças ocorreram na família?
Amanda da Costa Soares Martins:
Primeiramente, nós, enquanto família, começamos a entender melhor o Gabriel e ser mais compreensíveis em relação à alimentação. Fizemos um novo ajuste na nossa rotina, observando o que ficava mais confortável para o Gabriel, como por exemplo, horários de refeição. Enfim, fizemos um novo ajuste, uma reorganização da rotina familiar.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais estratégias e recursos você utiliza para apoiar o desenvolvimento dos seus filhos?
Amanda da Costa Soares Martins:
Como os meus três filhos são PCD ‘s – Pessoas com Deficiência, nós enquanto família, investimos em uma rotina estruturada, para que houvesse uma previsibilidade do que iria acontecer e assim diminuindo o estresse, a irritabilidade e até mesmo a ansiedade. Essa rotina está em um quadro no quarto deles. Gabriel faz Psicoterapia, Música, Inglês, Terapia Ocupacional e Sala de Recursos no contraturno. Rafael faz Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional no contraturno.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais são os principais desafios que os professores enfrentam ao lidar com alunos autistas?
Amanda da Costa Soares Martins:
Os principais desafios que os professores enfrentam são a falta de formação continuada, falta de monitores concursados e capacitados para atender a esse público, falta de parceria da família com a escola e falta de investimento público em Políticas Públicas voltadas para esse público.
SR: Sala de Recursos Revista:
Você acredita que as escolas estão preparadas para receber alunos autistas? Por quê?
Amanda da Costa Soares Martins:
As escolas não estão totalmente preparadas para receber, pois enfrentam a escassez de recursos financeiros, de profissionais com capacitação adequada e infraestrutura. E agora falo no lugar de professora, “Nós, professores da Educação Especial, lutamos para garantir os direitos dos nossos alunos”.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais mudanças você acha que são necessárias no Sistema Educacional para melhorar a inclusão?
Amanda da Costa Soares Martins:
Investimento em formação continuada para professores, seleção para monitores, curso de qualificação para esses monitores, construção de novas escolas para que o direito de turma reduzida do estudante não seja negado.
SR: Sala de Recursos Revista:
Que tipo de apoio você recebe da Secretaria de Educação e de outras instituições?
Amanda da Costa Soares Martins:
Gabriel é atendido todas as terças-feiras na Sala de Recursos e está matriculado na turma de integração inversa. Rafael está matriculado no Centro de Ensino Especial e faz os atendimentos de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em uma Organização da Sociedade Civil (OSC), que recebe recursos financeiros do GDF – Governo do Distrito Federal.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais são as suas esperanças e expectativas para o futuro dos seus filhos?
Amanda da Costa Soares Martins:
Desde a aprovação da Lei Berenice Pianna (Lei 12764/12) que instituiu a proteção dos direitos das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista, podemos observar que os familiares das pessoas com TEA começaram a lutar, a se unir pela causa dos seus filhos e parentes. E isso me faz acreditar e ter fé que nossos filhos terão seus direitos garantidos e que serão respeitados pelo seu jeito de ser. O que queremos não é a igualdade de direitos, pois nós somos diferentes, o que queremos é equidade.
OBS: Em 2019, descobri que eu tinha uma deficiência, paraparesia de membros inferiores.
SR: Sala de Recursos Revista:
Como você vê a evolução da percepção e aceitação do autismo na sociedade?
Amanda da Costa Soares Martins:
Há décadas , não era comum falar em autismo, mas já tínhamos pessoas que eram privadas de ir à escola, pelo simples fato delas apresentarem comportamentos diferentes das demais. Nos últimos anos, podemos ver com mais facilidade as pessoas falando que conhecem alguém que tem o transtorno, ou até mesmo que tem algum familiar com TEA. Há pesquisas que dizem que a cada 36 nascidos 1 poderá ter autismo. Mas ainda enfrentamos muitos olhares e julgamentos da sociedade. Estamos longe de ser uma sociedade que aceita e respeita o outro do jeito que ele é.
SR: Sala de Recursos Revista:
Como professora, diante da sua experiência pessoal como mãe de crianças com autismo, como isso influencia a sua prática docente?
Amanda da Costa Soares Martins:
A minha experiência pessoal de mãe de crianças PCD ‘s me faz lembrar a cada dia que devo olhar para cada aluno além da sua deficiência, que devo começar olhando para suas potencialidades, que aquela criança não se resume no seu laudo, que ela tem direitos de aprendizagens. E é claro que tudo que aprendi de melhor nessa minha caminhada com meus filhos, levo para dentro da minha sala.
SR: Sala de Recursos Revista:
Como é o acesso aos serviços e recursos previstos nas Políticas Públicas?
Amanda da Costa Soares Martins:
Para ter acesso aos serviços e recursos previstos nas Políticas Públicas não é fácil. A primeira dificuldade que enfrentamos é uma consulta com um médico neuropediatra pelo SUS – Sistema Único de Saúde, para realmente ter o laudo do Transtorno do Espectro Autista. Atualmente, a fila de espera já passa de 10 mil crianças. O mesmo acontece caso a criança necessite de um acompanhamento com um psiquiatra. Após a luta para conseguir ter o laudo vem a dificuldade para ter acesso às terapias pela rede pública, atualmente os locais que tem realizado atendimento pelo SUS, ou por convênio com a Secretaria de Educação são o CEAL (SEADI) – Centro de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (909 norte) e o COMPP – Centro de Orientação Médico – Psicopedagógica. Esses locais tem uma lista de espera, também. Algumas mães me relataram que ficaram até quase dois anos na fila. Sem falar que nem todas as medicações estão disponíveis pelo SUS. As pessoas com transtorno do Espectro Austista têm direito a receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada), porém a renda per capita familiar não poderá ultrapassar ¼ do salário mínimo por pessoa.
SR: Sala de Recursos Revista:
Quais são os esforços e cuidados da família nas atividades do dia a dia?
Amanda da Costa Soares Martins:
Os cuidados nas atividades do dia a dia do Gabriel são: tentar ao máximo manter uma rotina estruturada, levá-lo para as atividades e terapias no contraturno e dar a medicação. Em relação à higienização, de maneira geral, ele tem total autonomia, assim como para se alimentar, para vestir-se e despir-se. O Rafael é totalmente dependente em todas as atividades do dia a dia, locomoção (ele é cadeirante), alimentação (faz uso de gastrostomia) e higienização.