Relato de experiência de uma mãe
Maternidade e autismo: trajetórias na luta pela qualidade de vida.
Margareth Kalil Sphair: 63 anos. Nasceu em Curitiba – PR, formou-se em Enfermagem na Universidade Católica do Paraná em dezembro/1983.Em julho de 1984 iniciou carreira de Enfermeira no Hospital das Doenças do Aparelho Locomotor – Sarah Kubitschek Brasília. No mesmo ano passou no concurso da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, assumiu em setembro de 1985 e se aposentou em junho de 2015.Militante do autismo desde o diagnóstico do filho Pedro em 1997; junto ao MOAB – Movimento Orgulho Autista Brasil, AMA-DF, participação no andamento das Leis Distrital e Federal do Autismo. Desde 2019 na Associação Pestalozzi de Brasília onde o Pedro é atendido.
1. MARGARETH KALIL SPHAIR
63 anos, é enfermeira aposentada, natura de Curitiba, Paraná. Há 40 anos, estabeleceu-se em Brasília, onde construiu sua família e desenvolveu uma trajetória de dedicação e superação marcante. Mãe de três filhos – Daniel (36 anos), Leonardo (33 anos) e Pedro (32 anos) –, Margareth enfrentou os desafios de criar e educar três jovens diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), cada um apresentando características e necessidades diferentes dentro do espectro.
Com determinação e amor, Margareth garantiu que seus filhos recebessem educação em escolas regulares, desde o jardim de infância até o ensino médio. Daniel e Leonardo concluíram o ensino fundamental na rede pública do Distrito Federal (SEEDF) e deram continuidade ao ensino médio e superior em instituições privadas, sempre com suporte materno. Quando necessário, Margareth complementava a educação deles com reforço escolar.
A vida de Margareth é marcada por seu papel ativo no desenvolvimento de seus filhos. Ela dedicou-se intensamente a entender o TEA, buscando estratégias para promover a autonomia e o aprendizado deles. Além disso, sua experiência como mãe e cuidadora fez dela uma defensora da inclusão e do acesso à educação para pessoas com deficiência. Enfrentando desafios que envolvem desde questões acadêmicas até sociais, Margareth provou ser uma figura resiliente e inspiradora, cuja dedicação transformou os obstáculos em aprendizado e conquistas.
Hoje, Margareth compartilha sua história como um exemplo de que o amor incondicional, aliado à persistência, pode romper barreiras. Sua jornada é um testemunho da importância do apoio familiar e do fortalecimento das políticas inclusivas na educação. Ao longo dos anos, ela não apenas viu seus filhos crescerem e superarem expectativas, mas também se tornou uma referência para outras famílias que enfrentam os desafios do TEA.
2. INTRODUÇÃO
O presente relato refere-se a minha experiência como mãe de três filhos autistas. Destaco que além de mãe sou enfermeira, mulher, esposa, filha, ativista. Neste relato destaco minha trajetória no processo educacional dos meus filhos. Aponto a importância do sistema educacional, do apoio incondicional dos profissionais da educação no ensino intencional de cada um deles. Outro elemento presente consiste na importância do diagnóstico, mas que na sua ausência foi crucial considerar a singularidade dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de cada um dos meus filhos. Os resultados da presença e do acompanhamento constante da família e o compromisso dos profissionais que acompanharam os meninos nas distintas etapas de ensino fizeram a diferença na trajetória probabilística do desenvolvimento deles. Destaco que antes de serem autistas, eles foram percebidos como pessoas que necessitavam de acesso aos bens culturais da humanidade. Que possamos nos relacionar com as pessoas no lugar da deficiência.
3. DANIEL 36 ANOS : O primeiro filho
Seguiu os estudos em escolas regulares, sempre acompanhado por mim e com a ajuda de todos os professores que abraçaram a causa mesmo sem ele ter o diagnóstico. Procurei ajuda para ele desde os seis anos quando entrou na primeira série. Nada de diagnóstico, só recomendações de reforço escolar e trabalhar a atenção dele. Segui à risca. Aos 10 anos iniciou curso de inglês, em seguida, para ajudar na atenção que era a queixa de muitos professores, fez Kumon português até completar e depois Kumon matemática que não quis completar.
Hoje fala e escreve inglês fluentemente. Aos 16 anos era tratado como TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, a medicação apresentou todos os efeitos adversos e ele falou para a médica que não tomaria mais. Outra procura de profissional, o diagnóstico de autismo só foi emitido por médica neuropsiquiatra aos 19 anos, já na faculdade, como Síndrome de Asperger, hoje nível um de suporte.
Seguiu os estudos até o curso de Turismo na faculdade UPIS – União Pioneira de Integração Social, sempre com profissionais ajudando nos entraves. Daniel apresentava facilidade nas disciplinas: português, história, geografia, artes, religião e educação física. Tinha dificuldades no estudo de: matemática, biologia, química e física. Formou-se Turismólogo em 2009 com 21 anos. Ele tem super memória, todas as informações ficam guardadas e disponíveis. Desde que seja do interesse dele . Trabalhou no ano de 2013 como Agente Administrativo, não gostou de trabalhar com papeis e saiu. No ano passado descobriu gosto pela equoterapia e trabalha como condutor do cavalo. Está muito feliz.
4. LEONARDO 33 ANOS: O segundo filho
O diagnóstico veio junto com o Daniel a meu pedido de avaliação. Pois passou a vida escolar com muitas dificuldades, pouco interesse, odiava fazer tarefas e trabalhos escolares. Era quase obrigado a realizar as atividades e isso quando eu tinha conhecimento, do contrário ele não fazia. Passava sempre com notas mínimas. Poucas recuperações. Nem se importava. Solicitou e usou pouco as salas de recursos. Também inteligente e com boa memória. Nas reuniões escolares eu era a mãe presente e defensora dos meus filhos e sempre tive enorme ajuda de todos os professores e demais profissionais das escolas que passaram.
Leonardo também fez inglês completo, fala e escreve fluentemente. Fez o curso de Tecnólogo em Jogos digitais no Centro Universitário do Distrito Federal – UDF e é Bacharel em Biomedicina no UniCEUB – Centro de Ensino Unificado de Brasília, é acupunturista e tem vários cursos técnicos. Mas, não trabalha. O diagnóstico do Leonardo é Autismo sem outras especificidades. Bem leve, não tem classificação hoje. Ele tem CNH, dirige bem, inclusive nas estradas. Ele me substitui quando viajo. Ambos Daniel e Leonardo sofreram bullying nas escolas. Raramente me contavam e quando contavam era sem detalhes, muito vagamente.
5. PEDRO 32 ANO S : Terceiro filho:
Foi diagnosticado com autismo clássico, nível de suporte três, aos 4 anos de idade. Estudava em escola regular na 102 sul, com o diagnóstico foi encaminhado para o Centro de Ensino Especial 02. Ficou lá por três anos e foi transferido para a Escola Classe da 416 Sul onde ficou até os 15 anos de idade em sala especial na modulação de 02 alunos por professor. De lá foi o GAN- Ginásio da Asa Norte com a mesma modulação, saiu em 2022 pois já estava em adaptação na Associação Pestalozzi de Brasília desde maio de 2019, processo interrompido pela pandemia. Hoje está bem adaptado, necessita de uma pessoa como referência, que conduza as atividades e rotinas bem estabelecidas. Desde o diagnóstico procuramos oferecer terapias que promovessem o desenvolvimento cognitivo, sensorial, motor, e demais necessidades. Então, paralelo a escola o Pedro fez terapia comportamental de 2002 até 2015, natação, atividade física, equoterapia, musicoterapia, capoeira, entre outras terapias.
Por fim, expressei neste pequeno relato a força do desejo de superação dos limites impostos pela biologia. Entre o biológico e o social, o contexto sempre é mais potente, é a lição que desejo ter compartilhado com você leitor: a trajetória de mãe de três rapazes singulares e muito amados que revolucionou as possibilidades de desenvolvimento por meio da aprendizagem. Tentei ao longo da descrição da nossa experiência dar visibilidade às dificuldades, as possibilidades e a importância da escuta acolhedora presente nos ambientes pelos quais transitei com meus filhos. Assim, estive ao lado de cada um o máximo possível, respeitei e mostrei a premissa básica de que todos considerassem a individualidade deles. Aprendi e revivi lições escolares, de forma muito gratificante e enriquecedor para mim. Com certeza, não me arrependo de nada e se for preciso faria tudo de novo. Todos os nossos momentos foram e são desafiadores, viver não é fácil, mas a ajuda surge de várias formas e eles, nós, superamos, vencemos o medo e fomos aprovados no TCC e na vida. Lindo de ver. Eu estava presente em cada conquista. Reconheço que a minha história se mistura com a de cada um deles e que as cenas dos próximos capítulos dependem muito mais do coletivo, da disponibilidade das condições humanas, políticas, econômicas e sociais presentes no ambiente físico e humano da sociedade brasileira. Estejamos abertos para novas lutas, novas conquistas e busca de realização dos nossos desejos.
Outro elemento presente consiste na importância do diagnóstico, mas que na sua ausência foi crucial considerar a singularidade dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de cada um dos meus filhos. Os resultados da presença e do acompanhamento constante da família e o compromisso dos profissionais que acompanharam os meninos nas distintas etapas de ensino fizeram a diferença na trajetória probabilística do desenvolvimento deles.
Margareth Kalil