Entrevista

Um pensador e suas inovadoras concepções acerca da compreensão do Autismo

Pedro Lucas: Pessoa Autista e ativista no self advocacy, Mestre em Educação Especial no Domínio Cognitivo e Motor – Universidade Fernando Pessoa/Porto-Portugal (2022); Especialista em Orientação Educacional, Psicopedagogia Institucional e Clínica e Neuropedagogia; Licenciado em Pedagogia – IESB (2016). Possui diversos cursos de extensão na área de inclusão escolar, tecnologia assistiva e acessibilidade educacional, estuda e pesquisa a Teoria Histórico Cultural. Atualmente atua como Psicopedagogo e Professor de Atendimento Educacional Especializado. Ministra cursos de formação continuada de professores na área da: Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Defectologia); Cognição e Aprendizado; Modelo Social da Deficiência; Tecnologia Assistiva e Acessibilidade Educacional; Desenho Universal para o Aprendizado; Ensino, aprendizado e Desenvolvimento.


Um pensador e suas inovadoras concepções acerca da compreensão do Autismo

Conversar com o professor Pedro Lucas sobre inclusão é como mergulhar em um oceano de possibilidades. Em sua fala, teoria e prática se alternam, trazendo-nos conhecimento e renovando nossa esperança em um mundo mais justo e acolhedor. Sua trajetória de vida e profissional é inspiradora, pois reflete um compromisso profundo com a promoção de uma sociedade que valorize a diversidade e respeite as singularidades de cada pessoa.

Primeiro pesquisador autista brasileiro a representar nosso país no circuito internacional, o professor Pedro é pioneiro em seu campo e se dedica a aprofundar o entendimento sobre o autismo sob a perspectiva histórico-cultural. Ele argumenta que compreender o autismo não se limita aos aspectos biológicos, mas exige também uma análise das interações sociais e culturais que impactam a experiência das pessoas autistas. Essa abordagem inovadora busca ampliar a visão da sociedade sobre o autismo, desmistificando preconceitos e promovendo a empatia.

Além disso, o professor Pedro defende que uma educação verdadeiramente inclusiva é aquela que não só integra, mas acolhe e potencializa o desenvolvimento de todos. Ele acredita que, quando a escola respeita a singularidade do aluno, cria um ambiente em que cada um pode aprender e crescer de forma plena. Suas práticas pedagógicas inclusivas são exemplos claros de como a educação pode ser transformadora, sendo ele uma referência e inspiração para educadores em todo o país.

Através de sua pesquisa e atuação como professor, Pedro Lucas nos mostra que a inclusão não é apenas uma questão de direito, mas também uma poderosa ferramenta para transformar a sociedade e enriquecer nossas relações humanas. Seu trabalho reforça a urgência de se promover políticas, culturas e práticas que garantam um espaço para cada pessoa ser respeitada e valorizada em sua individualidade, contribuindo assim para a construção de um mundo mais justo e igualitário para todos.

À medida que os recursos complementares e suplementares eram oferecidos, minhas condições de mostrar todas as minhas potencialidades se transformavam de forma brutal.


Pedro Lucas

SR: Sala de Recursos Revista:

Professor Pedro Lucas é mestre em Educação Especial pela Universidade Fernando Pessoa em Porto/Portugal e tem uma trajetória de pesquisa e estudo na área de Educação Especial Inclusiva, é pessoa com autismo. Como foi a sua trajetória escolar? Os desafios e apoios? Que barreiras precisaram ser removidas?

Pedro Lucas:

Minha trajetória foi recheada de dificuldades constituídas pelas condições materiais e ideológicas do meio social que estava vivenciando naquela altura. À medida que os recursos complementares e suplementares eram oferecidos, minhas condições de mostrar todas as minhas potencialidades se transformavam de forma brutal. As barreiras que enfrentei como estudante autista estavam muito mais relacionadas às vias e formas exigidas para minha significação dos conteúdos e das realidades. Quando esses processos tiveram acessibilidade com advento de outras e complementares formas de significar, as minhas condições de internalizar e converter os recursos que estavam sendo ensinados foram transformados de forma revolucionária.

SR: Sala de Recursos Revista:

Você foi o primeiro pesquisador autista brasileiro a representar o nosso país no IX International Vygotsky Seminar, Turim, em 2024. Seu trabalho aborda o autismo na perspectiva histórico cultural. Como se dá a inclusão, o aprendizado e o desenvolvimento de estudantes com autismo sob esse prisma? A inclusão é um pressuposto para o aprendizado e o desenvolvimento?

Pedro Lucas:

Evidentemente é necessário qualidade das relações sociais em um contexto provocador de desenvolvimento, e esse só pode ser aquele ambiente inclusivo que apresente suporte, desafios e necessidades culturais complexas.A inclusão escolar passa pelos pressupostos de Vigotski por uma questão de ser uma proposta de defesa e explicação do desenvolvimento estruturante e essencialmente inclusivo.As leis do desenvolvimento são as mesmas para todas as pessoas, com ou sem deficiência, a grande diferença é a oferta de outras vias complementares para que a cultura que está externa a criança seja coletiva, pela mediação, convertida, em algo individual, pelo trabalho de relação entre pensamento e a língua (signo verbal – processos de significação).

SR: Sala de Recursos Revista:

Sabemos que o conceito de deficiência sofreu e ainda sofre diversas mudanças ao longo do percurso histórico mundial, que fatores influenciam essas mudanças?

Pedro Lucas:

Acredito que o impulso social e político para as mudanças nas concepções de deficiência vem com muita luta das pessoas com deficiência. Evidentemente a inclusão escolar que oferece condições para que nós pessoas com deficiência possamos chegar às universidades e alcançar níveis de compreensão mediada da realidade possibilitando uma ascensão do protagonismo e da pesquisa em primeira pessoa.

SR: Sala de Recursos Revista:

Podemos considerar o modelo médico de deficiência um modelo inadequado para o processo inclusivo?

Pedro Lucas:

Com certeza! Tudo que se organiza a partir do modelo médico além de capacitista atrasa ou impossibilita o desenvolvimento de qualquer estudante com deficiência.Métodos de controle, conversão e condicionamento são meios de impor formas consideradas como normais, uma espécie de ortopedia psíquica que atrofia a personalidade e impede o desenvolvimento.

SR: Sala de Recursos Revista:

Qual a relevância do modelo social da deficiência para a educação especial inclusiva?

Pedro Lucas:

O modelo social é revolucionário para a prática pedagógica pois apresenta um raciocínio essencial, o fato de a barreira não estar no estudante, quase como se afirmasse que não existe problema de aprendizagem e sim de ‘’ensinagem’’. Quanto mais modelo social na educação, mais a lógica da oferta de acessibilidade será uma realidade em nossa prática pedagógica.

Tudo que se organiza a partir do modelo médico além de capacitista atrasa ou impossibilita o desenvolvimento de qualquer estudante com deficiência.

Pedro Lucas


SR: Sala de Recursos Revista:

Constantemente surgem legislações, pareceres, bases legais cujo foco sejam pessoas com deficiência e seus direitos na sociedade, e, nem sempre nestes documentos o caráter pedagógico do ensino e da aprendizagem das pessoas com deficiência é analisado em relação a educação inclusiva eficiente. Quais as diretrizes educacionais pedagógicas que você considera fundamentais para que um processo educacional inclusivo seja de fato eficaz?

Pedro Lucas:

Penso que antes de tudo, devemos nos afastar por completo de práticas de condicionamento e ou de normalização de corpos e mentes. Quando estivermos prontos para abraçar as diferenças, para além das deficiências, tendo a oferta de acessibilidade, estaremos em um caminho muito melhor.

SR: Sala de Recursos Revista:

O autismo é popularmente conhecido como um transtorno, você tem defendido a ideia de “neurodiferença”. Nos conte um pouco de como é a visão do autismo como neurodiferença, quais considerações são fundamentais?

Pedro Lucas:

O autismo e nós autistas fomos colocados no lugar de doença ou de erro durante muito tempo, a visão patologista de nossa diferença é fonte de muitas barreiras que enfrentamos, sustenta muitas ideias de não desenvolvimento que tentam impor para nossa existência. A constituição do nosso desenvolvimento neurológico e, principalmente, o processamento da linguagem (processos de significação) são diferentes. Essa diferença não pode ser vista como doença ou transtorno (desvio da norma). O autismo é sim uma neuro diferença nas formas de processar e devolver informações sensoriais, conceituais e psicossociais e isso não precisa ser corrigido, precisa ser oferecido apoio e acessibilidade.

SR: Sala de Recursos Revista:

Quais as contribuições de Vigotski para a psicologia do desenvolvimento em relação a aprendizagem e a linguagem, que podemos aplicar na educação moderna de modo a favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento de estudantes com autismo?

Pedro Lucas:

São diversas contribuições que poderíamos ter, há algumas revistas dedicadas somente a isso, mas a contribuição na minha visão mais importante está na oferta de múltiplas e outras vias e formas de significação que pode ser entendido pelo processo de intercâmbio e mediação para a compreensão da realidade.Existem formas, meios e vias alternativas ou outras de internalizar a cultura pelo significado, formas para além daquelas hegemônicas como a fala, por exemplo.

SR: Sala de Recursos Revista:

Qual a relevância do trabalho como atividade humana para as pessoas com autismo ou outras deficiências?

Pedro Lucas:

O trabalho como atividade humana é organizador e também responsável pela apropriação da cultura, humaniza na medida que se organiza para transformar a realidade, e, essa mesma realidade transforma a pessoa.O trabalho como atividade humana possibilita uma relação com a realidade para além do campo das aparências, favorece a atividade imaginativa e criadora, o planejamento, o uso de ferramentas. Não é à toa que é a base de toda boa prática pedagógica.

SR: Sala de Recursos Revista:

Nos conte um pouco sobre sua prática pedagógica em atendimento educacional especializado (AEE). Qual seu público alvo? Onde e como acontece? Qual a importância desse atendimento quando falamos de inclusão escolar?

Pedro Lucas:

Bem meu trabalho é dedicado principalmente a adolescentes a partir do 6 ano até universitários autistas, também trabalho com outras neuro diversidades, mas o foco principal é o estudante autista.A minha principal intenção e trabalho, se organiza na oferta de recursos que nós chamamos de técnico simbólicos para que essas pessoas possam se organizar, se orientar e se desenvolver se apropriando da cultura, ampliando e “complexificando” as suas relações com os signos. Também orientamos as famílias, a escola e os estudantes sobre a sensibilidade do estudante autista. Eu acredito que o tema mais emergente seja o tema do processo gestalt da linguagem, sendo essa a temática mais recorrente hoje no meu trabalho e eu acredito que o mais importante a ser compartilhado com vocês. A oferta de formatos de compartilhamento de informações, conteúdos, conceitos e tudo mais dentro da escola precisa respeitar esta especificidade dos meus estudantes e minha também, no que se refere ao processamento de linguagem, então, hoje o nosso foco maior é como trabalhar isto com os estudantes e também com as escolas e com as famílias.

O autismo e nós autistas fomos colocados no lugar de doença ou de erro durante muito tempo, a visão patologista de nossa diferença é fonte de muitas barreiras que enfrentamos, sustenta muitas ideias de não desenvolvimento que tentam impor para nossa existência


Pedro Lucas

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