Audiodescrição: Ray Oliveira
Locução – Lunna Mara
Lauriceia Tomaz da Silva Gomes: Pedagoga – UFPE, Mestre em Educação – UFPB, Especialista em Educação Especial – FAFIRE – PE, Pós graduanda em TEA – CEAM , Pós graduanda em ABA em Educação – RHEMA, professora Universitária, Coordenadora de Educação Especial do município do Jaboatão dos Guararapes/PE.
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Lauriceia Tomaz da Silva Gomes é uma ativista educacional, atua como gestora da educação especial inclusiva na rede municipal de Jaboatão dos Guararapes em PE, além de ser mãe de TEA . Nesta entrevista ela nos conta um pouco acerca de sua trajetória de luta pela inclusão escolar e a efetivação de uma educação para todos. Expõe como se dão os processos de inclusão, adaptações e flexibilizações na rede escolar municipal de Jaboatão e também como ocorre a implementação das políticas públicas que asseguram tanto o acesso à educação do seu filho quanto dos demais alunos com deficiência que ela acompanha.
Essa conversa com a gestora Lauriceia permitiu-nos ampliar os horizontes educacionais em nossa série de entrevistas com GRANDES GESTORES de escolas públicas e ao mesmo tempo contarmos com a representatividade das famílias de alunos com deficiência em nível de Brasil. Assim, aprofundamos as reflexões a respeito do atual cenário da educação inclusiva em nosso País, conectando práticas educacionais que oportunizam uma educação equitativa, humanizada e autônoma. Outrora, a nossa entrevistada nos fez acreditar em educação para todos na qual a sensibilidade dos laços maternos e da professora une laços para além dos muros da escola
PodCast da Entrevista
Locução – Lunna Mara
Entrevista
Lauriceia Tomaz da Silva Gomes
SR: Atualmente você é gestora da educação inclusiva e mãe de um filho com TEA. Conte-nos um pouco sobre essa sua dupla responsabilidade em busca de uma educação para todos.
Lauriceia: Minha trajetória na luta por uma educação mais inclusiva inicia muito antes do nascimento de meu filho. Em 2004, no final da graduação, já estava bem inserida nesse contexto e mesmo não sendo casada na época, já falava que acreditava em uma sociedade mais justa, de respeito à diferença, onde nossos filhos viveriam melhor e que uma sociedade inclusiva defendia isso. Então, hoje, o diálogo entre esses dois campos, âmbito familiar e de trabalho, se dá de forma madura, mesmo que muitas vezes o conflito entre gerir e lutar pela efetivação dos direitos esteja bem presente. Infelizmente aprendi que gerir políticas públicas tem entraves que perpassam o nosso querer e entender esses percalços constitui meu maior desafio.
SR: Você acredita que é preciso inovar o modelo educacional que temos hoje para que a inclusão de PcDs aconteça?
Lauriceia: Sem dúvida. A escola que temos hoje ainda constitui um modelo engessado, fruto do ensino tradicional. Por mais inovações e correntes pedagógicas que se constituíram na história da educação no Brasil, o ler, contar e escrever ainda configuram os objetivos a serem alcançados. Precisamos quebrar esses preceitos e entender que o cidadão de hoje necessita de muito mais que isso. No que diz respeito à educação de todos os estudantes, é necessário entendermos que o aluno que idealizamos não existe, sendo necessário matá-lo para aceitarmos o estudante real, com particularidades que deverão ser respeitadas e trabalhadas. Incluir não é colocar o estudante na sala de aula, mas oportunizar a ele o direito de pertencer ao ambiente e ter sua aprendizagem garantida.
” Incluir não é colocar o estudante na sala de aula, mas oportunizar a ele o direito de pertencer ao ambiente e ter sua aprendizagem garantida.”
Lauriceia Gomes
SR: Como podemos transformar um espaço educacional em um espaço inclusivo?
Lauriceia: Acredito que o grande desafio é transformar o ambiente escolar em um ambiente acolhedor, onde todos tenham liberdade de expressar seus medos, receios e juntos buscarem alternativas para encarar os desafios da educação no século XXI. Muitas vezes o professor é visto como o vilão nos entraves para que a educação inclusiva aconteça. Mas não podemos falar de inclusão sem formação dos profissionais que neles atuam e dentre esses profissionais temos os professores. Precisamos também oportunizar no espaço escolar momentos de diálogo e formação da própria família que muitas vezes não sabe lidar com seus filhos, sejam eles, pessoas cegas, surdas ou com Transtorno do Espectro do Autismo. Só trazendo a família para junto é que conseguiremos alavancar o processo educacional inclusivo. A escola precisa ser um local de discussão sobre as especificidades que compõem o ser humano e, acima de tudo, ser um local de formação e reflexão sobre os processos de aprendizagem deste ser humano.
SR: Como ocorre o processo de inclusão na rede escolar do município em que atua? E você, como mãe, acredita que as redes municipais de ensino estão preparadas para abarcar a diversidade dos estudantes?
Lauriceia: Acredito que em nosso município já percorremos um grande caminho na busca de uma educação mais inclusiva, mas temos a mesma certeza de que há mais para fazer. Quando chegamos, encontramos um município muito fragilizado com a questão da educação das pessoas com deficiência. Instituímos, então, um programa voltado a delinear as ações voltadas à educação inclusiva, o UNIR PARA INCLUIR. A partir deste programa, estamos fazendo várias ações para o fortalecimento da educação inclusiva. Ampliamos o Atendimento Educacional Especializado na Sala de Recursos Multifuncionais, oferecemos cursos de Libras, Tiflologia, Mediação de Aprendizagem para estudantes com TEA, cursos online a partir da nossa plataforma, oferecemos materiais adaptados, cadernos de atividades complementares para o trabalho na sala de aula, formações mensais para os professores de apoios, reuniões com os pais para avaliação das políticas, dentre outras ações. Em relação a minha percepção como mãe, minha avaliação é mais crítica, as escolas públicas têm abarcado uma grande demanda social no que concerne à inclusão dos estudantes com deficiência, sobrecarregando-as, muitas vezes, devido à ausência de conhecimento dos pais de que a escola privada também tem essa obrigação. Mediante o investimento, elas têm a cada dia se qualificado mais. Eu, como mãe, sonho com uma sociedade onde eu possa escolher onde meu filho deva estudar e não veja a escola pública como uma única alternativa para que isso aconteça como temos visto e ouvido nos dias de hoje.
SR: Você considera o estado de PE inclusivo? Quais adequações você acredita ser fundamental para este processo de inclusão?
Lauriceia: Precisamos avançar muito nesse propósito. Acredito que não vivemos em uma sociedade inclusiva, mas estamos em uma guerra em busca desse objetivo. Falar de inclusão vai além da sala de aula, precisamos das efetivações das políticas públicas inclusivas, tanto na área da assistência social, como saúde e educação. Só teremos uma sociedade realmente inclusiva quando esses três segmentos estiverem verdadeiramente alinhados e se complementando. Assim, não temos um estado inclusivo, não temos um país inclusivo e não temos um mundo inclusivo. Mas podemos nos unir para que esse alicerce seja construído e acredito que estamos nesse caminho. Nossos netos, com certeza terão uma sociedade mais inclusiva e de respeito às diferenças individuais que compõem cada ser humano. Pelo menos é esse nosso maior desejo.
SR: Você, enquanto mãe de um filho com TEA, o que achou do processo de inclusão inicial dele?
Lauriceia: Meu filho foi o primeiro estudante com Transtorno do Espectro do Autismo na escola dele, em uma época que era ainda um transtorno de pouco conhecimento. Então a escola nunca o viu como alguém que não pertencia àquele lugar, e entre erros e acertos sempre buscou garantir a educação do mesmo. Como mãe, sempre vi o diálogo como o caminho a ser traçado e, com isso, meu filho ganhou. Um dia me lembro que a escola falou que meu filho “era carente de mãe” e isso me arrasou. Fui à escola e expliquei porque trabalhava tanto, na época, 2011, os planos de saúde ainda não pagavam o tratamento, e eu trabalhava três expedientes para poder pagar as terapias. Sentei com a escola e perguntei: Vocês em minha posição, o que fariam? Trabalhariam para dar o tratamento a seu filho ou seriam uma mãe presente na escola e não teriam o tratamento? Pronto, a partir desse dia, nosso diálogo se estabeleceu e sempre que podia encontrávamos tempo para trocarmos ideias e experiências sobre meu filho. Ele ficou lá da educação infantil até o 5º ano. Entre erros e acertos, me senti segura com a educação que ele estava estudando lá.
SR: Você considera o estado de PE inclusivo? Quais adequações você acredita ser fundamental para este processo de inclusão?
Lauriceia: Precisamos avançar muito nesse propósito. Acredito que não vivemos em uma sociedade inclusiva, mas estamos em uma guerra em busca desse objetivo. Falar de inclusão vai além da sala de aula, precisamos das efetivações das políticas públicas inclusivas, tanto na área da assistência social, como saúde e educação. Só teremos uma sociedade realmente inclusiva quando esses três segmentos estiverem verdadeiramente alinhados e se complementando. Assim, não temos um estado inclusivo, não temos um país inclusivo e não temos um mundo inclusivo. Mas podemos nos unir para que esse alicerce seja construído e acredito que estamos nesse caminho. Nossos netos, com certeza terão uma sociedade mais inclusiva e de respeito às diferenças individuais que compõem cada ser humano. Pelo menos é esse nosso maior desejo.
SR: Você, enquanto mãe de um filho com TEA, o que achou do processo de inclusão inicial dele?
Lauriceia: Meu filho foi o primeiro estudante com Transtorno do Espectro do Autismo na escola dele, em uma época que era ainda um transtorno de pouco conhecimento. Então a escola nunca o viu como alguém que não pertencia àquele lugar, e entre erros e acertos sempre buscou garantir a educação do mesmo. Como mãe, sempre vi o diálogo como o caminho a ser traçado e, com isso, meu filho ganhou. Um dia me lembro que a escola falou que meu filho “era carente de mãe” e isso me arrasou. Fui à escola e expliquei porque trabalhava tanto, na época, 2011, os planos de saúde ainda não pagavam o tratamento, e eu trabalhava três expedientes para poder pagar as terapias. Sentei com a escola e perguntei: Vocês em minha posição, o que fariam? Trabalhariam para dar o tratamento a seu filho ou seriam uma mãe presente na escola e não teriam o tratamento? Pronto, a partir desse dia, nosso diálogo se estabeleceu e sempre que podia encontrávamos tempo para trocarmos ideias e experiências sobre meu filho. Ele ficou lá da educação infantil até o 5º ano. Entre erros e acertos, me senti segura com a educação que ele estava estudando lá.
SR: Para o profissional da educação, quais são os maiores desafios encontrados para se fazer parte desse processo de inclusão?
Lauriceia: No âmbito educacional, somos chamados a nos reinventar. E para que isso aconteça a formação continuada é o grande objetivo do professor. Todavia, como conseguir conciliar uma carreira e a qualificação profissional é o grande desafio. As faculdades infelizmente não preparam o professor para o aluno real, então, temos que, como anteriormente falamos, “matar” o estudante idealizado para aceitar o estudante real. Só tendo isso em mente, os professores verão esses estudantes “diferentes” como de sua responsabilidade e não o terceirizarão para os apoios, brailistas e intérpretes como vemos em muitos lugares, ou buscarão naqueles que não se encaixam em seu ideal de aluno um laudo que justifique sua não identificação. E isso não é fácil. Acredito que o professor passa um pouco pelo conflito que nós pais passamos quando recebemos o diagnóstico de nosso filho e é por isso que precisamos abrir o diálogo com esse profissional e construir parcerias, ouvi-los e oportunizar momentos de diálogos e construção de um novo fazer pedagógico, só assim, o fortalecendo, conseguiremos obter melhores resultados. Resumindo, então, podemos dizer que seus maiores desafios são: qualificar-se para a multiplicidade de estudantes presentes na sala de aula e aceitar esses estudantes reais como sujeitos de sua intervenção pedagógica.
SR: Há um processo de formação continuada em sua rede que assegure aos profissionais meios para qualificação? E para atuarem com alunos com deficiência, há exigências de formação específica?
Lauriceia: Estamos nessa construção. Disponibilizamos na plataforma da escola formação com cursos online, lives, além de cursos presenciais buscando atender essa demanda, mas ainda é incipiente. Sabemos que é uma área na qual ainda precisamos investir muito. Em relação à formação mínima para atuação com os estudantes com deficiência, nesse momento, estamos criando os cargos de acessibilidade dialogando com a LDBN e sinalizando a necessidade de maiores investimentos na qualificação desses profissionais.
” Infelizmente aprendi que gerir políticas públicas tem entraves que perpassam o nosso querer e entender esses percalços constitui meu maior desafio. “
Lauriceia Gomes
SR: Qual mensagem você, enquanto mãe e ativista da educação inclusiva, deixaria para outras mães em processo de inclusão educacional de filhos com deficiência em redes municipais de ensino?
Lauriceia: Acredite na potencialidade de seu filho, crie-o para o mundo e antes de tudo, busque parceria com a escola em que seu filho está matriculado. Seu filho vai cair, se arranhar, chorar, não porque a escola negligenciou com ele, mas porque ele é criança e criança cai. Minha mãe que o diga, três pontos no recreio quando eu estudava na antiga segunda série. Tenha ciência que assim como nós, que muitas vezes não sabemos como lidar com nossos filhos, os professores passam também por esse conflito, mas nos unindo a eles, juntos, podemos encontrar o melhor caminho para a educação dos nossos filhos. E, acima de tudo, tenha certeza de que não existe uma escola perfeita, pois a sociedade não é perfeita e a melhor escola para nosso filho é aquela onde podemos confiar nos profissionais. E mais: não permitam que a sociedade dite para vocês a escola que ele vai estudar, se é em uma escola pública ou particular, nós pais é que temos o direito de escolher e cabe a toda e qualquer escola garantir o direito educacional do nosso filho, pois é o que preconiza a Lei Brasileira de Inclusão, cabendo às escolas cumprirem a lei e a nós escolhermos qual escola se adequa ao modelo que desejamos.