Resenha Crítica: Análise Crítica e Reflexiva do Filme “Temple Grandin” (2010)
Bárbara Pereira de Alencar da Rocha: Doutoranda do PÓSLIT-UNB, mestre em Educação – FE/UNB, especialista em Educação de Surdos pelo IESCO/GO. Professora de classe bilíngue e Guia-intérprete da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.
- e-mail: bambialencar@yahoo.com.br/ barbitaalencar@gmail.com,
- Lattes iD: http://lattes.cnpq.br/1593472119491222
- Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3806-2330
1. INTRODUÇÃO
O presente texto trata de uma análise do filme “Temple Grandin” que apresenta um panorama do autismo a partir da experiência singular de vida da protagonista. Ela também lançou um livro, autobiográfico em colaboração com um jornalista, que chamou muita atenção no ano de 1986: Emergence: labeled autistic, no qual ela descreve com franqueza, minuciosidade, consistência e uma espécie de entendimento real das situações que ocorrem na sua própria vida como autista. O filme descreve a trajetória de uma pessoa com autismo no enfrentamento de barreiras cotidianas em uma época em que esta condição ainda era muito pouco conhecida. Tomaremos alguns recortes do filme para nos apoiar e organizar uma relação entre os marcos históricos e legais da educação especial no Brasil no que concerne às legislações relevantes e em dados atuais da literatura para discutir pontos referentes ao autismo.
Oferece condições, entre outras, para uma discussão sobre as especificidades e perspectivas futuras dos diagnósticos categóricos e dimensionais no autismo, bem como as persistentes confusões com nomenclaturas. Podemos, ainda, rever a noção historicamente construída da pessoa com autismo como
extremamente inteligente ou totalmente incapaz, inclusive dar margem para desconstruir este estereótipo a partir do entendimento destas habilidades sob o escopo de teorias cognitivas que as definem como partes de um estilo cognitivo diferente. Também aborda em diferentes situações as alterações sensoriais presentes. Também aborda em diferentes situações as alterações sensoriais presentes no autismo, as quais impulsionam Temple a desenvolver a máquina do abraço para auxiliar pessoas como ela a lidar com dificuldades interpessoais, que muitas vezes são confundidas com inexpressão afetiva. Por fim, consegue fazer correlações entre a qualidade da educação escolar e do apoio familiar e o autismo. Temple Grandin a princípio, pode ser considerado por alguns como apenas mais um filme de superação como tantos outros, entretanto o roteiro é caprichado , além de possuir um bom quarteto de atores (Claire Danes, Julia Ormond, Catherine O’hara e David Strathairn) e a direção de Mick Jackson, o premiado diretor do filme “O Guarda Costas”, com a Whitney Houston e Kevin Costner, desse modo, consegue dissipar essa impressão daqueles que o assistem.
Na edição de 2010 do Emmy, equivalente ao Oscar da televisão americana, esse filme ganhou os prêmios de melhor telefilme, diretor, atriz (Danes), atriz coadjuvante (Ormond) e ator coadjuvante (Strathairn). O filme narra a inspiradora trajetória de Temple Grandin, uma mulher autista que superou inúmeros desafios para se tornar uma cientista reconhecida na área de manejo animal. Desde jovem, enfrentou dificuldades significativas de socialização e comunicação. No entanto, com o apoio da mãe, professores e mentores, conseguiu concluir os estudos, além de revolucionar a indústria agropecuária com suas inovações humanitárias. O filme destaca momentos cruciais da vida escolar, mostrando os obstáculos que Temple precisou transpor para ser aceita e compreendida em um sistema educacional, que, às vezes, despreparado não sabe lidar com as necessidades de pessoas com autismo.
2. DESENVOLVIMENTO
Esse longa-metragem retrata em uma cinebiografia a vida de Mary Temple Grandin que não desenvolveu a fala até os quatro anos de idade, o que levou sua mãe, interpretada pela atriz Julia Ormond, a procurar avaliação psiquiátrica e receber, na década de 1950, o diagnóstico de autismo.
Temple Grandin, nasceu na cidade de Boston, no dia 29 de agosto de 1947. Tornou-se uma psicóloga e respeitada zootecnista americana autista que revolucionou as práticas para o tratamento racional de animais vivos em fazendas e abatedouros. O bacharelado em Psicologia foi obtido pelo Franklin Pierce College e o mestrado em Zootecnia feito na Universidade Estadual do Arizona. É Ph.D. em Zootecnia, desde 1989, pela Universidade de Illinois, atualmente ministra cursos na Universidade Estadual do Colorado a respeito de comportamento de rebanhos e projetos de instalação, além de prestar consultoria para a indústria pecuária em manejo, instalações e cuidado de animais. Ela é bem-sucedida e tem um status célebre de profissional americana autista, também, é altamente respeitada no segmento de manejo na pecuária.
O longa-metragem retrata a vida dessa pessoa com autismo, Temple Grandin. Sua mãe quando recebe o diagnóstico de autismo fica impactada com a notícia, principalmente, depois de receber explicações de que essa desordem teria sido ocasionada por restrições afetivas de sua parte. Importante ressaltar que o filme mostra como sua mãe, Anna Eustacia Purves, a despeito da recomendação médica de interná-la em uma instituição psiquiátrica, insistiu em proporcionar-lhe educação formal. A mãe não se intimida e a estimula precoce e intensivamente. Posteriormente conduzida à escola é auxiliada por um sensível professor até a conclusão do ensino médio. O filme mostra quando sua mãe a leva para visitar a fazenda de sua tia Ann no Arizona em 1966, ali Temple inicia seu primeiro contato com animais, que influenciariam sua vida e carreira. Diante do brete usado para contenção de bovinos, ela se inspirou e construiu um aparelho para seu próprio uso com a finalidade de se refugiar nos frequentes ataques de pânico que sempre sofria.
A história revela como sua mãe tinha o intuito de integrar a jovem, resolveu levá-la ao campo, pensando que o contato com os animais poderia ocasionar algum alívio aos desconfortos decorrentes do transtorno do espectro autista na cidade. Assim, neste lugar, Grandin mesmo se apresentando um tanto arredia com as pessoas em sua volta, começa a observar e se interessar pelo modo como os trabalhadores lidam com a criação do gado na fazenda: desde a alimentação até o abate.
Nessa época na fazenda da tia, ela inicia o que seria o foco de sua atenção, algo comum aos autistas, um interesse por bovinos e tenta compreender as peculiaridades e os comportamentos desses animais, especialmente, como eles se mostram calmos ao serem imobilizados para receberem vacinas.
A partir dessa experiência, ela idealiza e constroi a máquina do abraço, um dispositivo semelhante que a pressiona e imobiliza, gerando uma sensação de tranquilidade que aplaca as crises de ansiedade decorrentes da sua inabilidade no relacionamento social. Foi nessa fazenda que ela despertou seu interesse profissional futuro ao projetar equipamentos e instalações para a pecuária. Todos os corredores e currais que desenha são redondos, pois o gado tem mais facilidade em seguir um caminho curvo, já que ao não ver o que há no fim do caminho, fica menos assustado; ela descobriu que o desenho curvo aproveitava o comportamento natural do animal. Ela também usou essa descoberta para fazer uma analogia com as crianças autistas, e em suas palestras diz que é preciso agir do mesmo modo, isto é, trabalhando a favor delas, ajudando-as a descobrir e desenvolver seus talentos ocultos. Escreveu mais de 400 artigos publicados em revistas científicas e periódicos especializados, tratando de manejo de rebanho, instalações e cuidados dos animais.
Seus familiares percebem suas notáveis habilidades, ao que é pressionada para seguir os estudos na universidade, iniciando uma trajetória marcada por intensas dificuldades no ambiente acadêmico. Temple Grandin possui uma inteligência incomum, tendo facilidade intrínseca para lidar com áreas que envolvam planejamento, aritmética e geometria. Seu professor de Ciências, o Dr. Carlock, percebe em Temple um talento especial em pensar a partir de imagens e com elas fazer as conexões necessárias para compreender o que se passa e o que a cerca. Desse modo ele a encoraja e incentiva para prosseguir estudando e tentar prosseguir na educação e entrar em uma universidade.
Durante o filme é possível perceber que o modo diferenciado de ver e entender o mundo a obriga a desenvolver estratégias para superar obstáculos até concluir seu PhD em engenharia agropecuária, quando revoluciona os métodos de manejo do gado e torna-se uma respeitada especialista no assunto. Atualmente a Dra. Temple Grandin é professora na Universidade do Estado do Colorado (EUA) e autora de diversos livros em que explica as especificidades do autismo a partir de suas vivências pessoais.
A respeito disso Mantoan1 ressalta que:
Não há mais como recusar, negar, desvalidar a inclusão na sociedade brasileira e no cenário internacional. Resta-nos, pois, reconhecer qual é o sentido da diferença que está na base das ações inclusivas: a diferença como padrão produzido pelos que procuram se afirmar pela diferença para manter a estabilidade de sua identificação a um grupo qualquer? A diferença que celebra atributos que fazem de alguns os diferentes? A diferença como argumento pelo qual se coloca em questão a sua produção social como um valor discriminador, negativo, marginalizante?
Um ponto de partida significativo no Brasil foi a Constituição Federal de 1988, que assegurou o direito à educação para todos, incluindo pessoas com deficiência. Esse princípio foi reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.º 9.394/1996, que estabelece a necessidade de atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino.
Pensando na história de Temple Grandin podemos relacioná-la, também, com alguns marcos históricos e legais da educação especial para a inclusão com a adoção da “Declaração de Salamanca”2 (1994) que veio mostrar essa necessidade da inclusão se fazer presente nas instituições da sociedade, tendo seu apelo, sido efetivado, principalmente no ambiente de escolarização. Desde essa publicação o Brasil tem avançado consideravelmente nas últimas décadas em termos de políticas públicas para a inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional. Pois, a inclusão garante direitos e promove a aprendizagem, estimulando a autonomia e a independência das pessoas com deficiência em todas as fases da vida.
Dessa forma, o Brasil estabeleceu na “Meta 4 do Plano Nacional de Educação” com o objetivo de universalizar para a população de 4 a 17 anos com deficiência o acesso à educação consoante ao modelo de inclusão. Essa abordagem prioriza o direito de todos os estudantes frequentarem as salas regulares, combatendo qualquer discriminação. Além disso, a meta prevê espaços de atendimento educacional especializado (AEE), como medida complementar e não substitutiva da sala de aula comum, que podem ser frequentados pelos estudantes com deficiência no contraturno. O AEE tem por objetivo identificar demandas específicas e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras existentes, garantido a inclusão e autonomia dos estudantes.
Outro marco importante, no Brasil se deu com a Política Nacional de Educação Especial, direcionada principalmente, na Perspectiva da Educação Inclusiva, instituída pelo Ministério da Educação em 2008, que promove a inclusão de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular. Além disso, o Decreto n.º 7.611/2011 reforçou a organização dos serviços de educação especial, garantindo a oferta de atendimento educacional especializado complementar ou suplementar ao ensino regular.
Érika Lourenço3 enfatiza a importância da transformação pela possibilidade da educação inclusiva, ela diz que,
Estamos vivendo um momento da história da educação brasileira no qual, mais uma vez, a escola se vê diante da necessidade de se transformar. Com as discussões sobre direitos humanos, inclusão social e educação inclusiva, que perpassam os movimentos sociais e as políticas públicas, torna-se cada vez mais impossível considerar a escola meramente como lugar de transmissão de conhecimento. Nesse cenário não podemos mais deixar de refletir a respeito do papel da escola na formação integral do aluno, na formação para a cidadania, na formação para uma sociedade sem preconceitos e na formação para uma sociedade no qual os direitos fundamentais de todas as pessoas sejam respeitados. Não podemos também deixar de pensar como construir uma escola que se fundamente no respeito à diversidade e se configure verdadeiramente como uma escola inclusiva.
O filme “Temple Grandin” ilustra bem a importância desse pensamento e dessas políticas. A protagonista, com apoio de seus professores e adaptações específicas, pôde desenvolver sua habilidades únicas. Isso reflete a necessidade de um sistema educacional que reconheça e valorize as diferenças individuais, fornecendo os recursos e apoios necessários para que todos os alunos possam atingir seu potencial máximo. No Brasil, a inclusão de estudantes como Temple depende da implementação eficaz dessas políticas e da capacitação contínua de educadores para lidar com a diversidade na sala de aula. Corroborando com isso, Márcia Denise Pletsch4, reflete que,
[…] precisamos ampliar o debate tão centrado nas políticas de educação inclusiva, políticas que garantam, de fato e de direito, o acesso de todos os alunos com e sem deficiências aos processos de ensino e aprendizagem para uma vida cidadã de forma a universalizar as riquezas sociais e culturais existentes. Analisar de forma relacional, tais aspectos, poderá contribuir, sobremaneira, para mudar as condições históricas de exclusão do acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade. No caso dos sujeitos com comprometimentos graves a garantia de intervenções pedagógicas precoces, assim como o oferecimento de uma rede de apoio estruturada poderá possibilitar-lhes interações sociais e educacionais que promovam um maior desenvolvimento
3. CONCLUSÃO
“Temple Grandin” é um filme que inspira e provoca reflexões profundas sobre a importância da educação inclusiva. Ele mostra que, com o suporte adequado, as barreiras podem ser superadas e que a inclusão não é apenas um direito, mas uma necessidade para o desenvolvimento integral de todas as pessoas. No contexto brasileiro, embora os avanços sejam significativos, é essencial continuar a lutar por uma inclusão efetiva que vá além da simples presença física na escola. É necessário garantir que todos os alunos tenham acesso ao currículo, aos recursos e ao apoio necessários para aprender e prosperar.
Os marcos legais e históricos da educação especial no Brasil proporcionam um arcabouço importante para um projeto de educação inclusiva. No entanto, é crucial que esses direitos sejam efetivamente implementados e que as escolas estejam preparadas para atender às necessidades diversas dos alunos. A história de Temple Grandin reforça a importância de um olhar atento e sensível às potencialidades de cada indivíduo, mostrando que, com as adaptações e apoios necessários, a inclusão não apenas é possível, mas enriquece a todos, principalmente aqueles que convivem com a diferença e a diversidade das pessoas com deficiência.
1MANTOAN, M. T. E. R. Inclusão, diferença e deficiência: sentidos, deslocamentos, proposições. Inclusão Social, v. 10, n. 2, 2017.
2Refere-se a uma Estrutura de Ação em Educação Especial adotada pela conferência Mundial em Educação Especial organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a UNESCO, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994. Seu objetivo foi informar sobre políticas e guias de ações governamentais, de organizações internacionais ou agências nacionais de auxílio, organizações não governamentais e outras instituições na implementação da Declaração de Salamanca sobre princípios, Política e prática em Educação Especial.
3LOURENÇO, Érika. Conceitos e práticas para refletir sobre a educação inclusiva. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Ouro Preto, MG: UFOP, 2010.
4PLETSCH, M. D. Educação Especial e inclusão escolar: políticas, práticas curriculares e processos de ensino e aprendizagem. Revista Poíesis Pedagógica, Catalão/GO, v. 12, n° 1, p. 7-26, 2014.
4. REFERÊNCIAS
LOURENÇO, Érika. Conceitos e práticas para refletir sobre a educação inclusiva. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Ouro Preto, MG: UFOP, 2010.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão, diferença e deficiência: sentidos, deslocamentos, proposições. Inclusão Social, v. 10, n. 2, 2017.
PLETSCH, Márcia Denise. Educação Especial e inclusão escolar: políticas, práticas curriculares e processos de ensino e aprendizagem. Revista Poíesis Pedagógica, Catalão/GO, v. 12, n° 1, p. 7-26, 2014.
COMO CITAR
ROCHA, Bárbara Pereira de Alencar da. Análise Crítica e Reflexiva do Filme “Temple Grandin” (2010) In: Sala de Recursos Revista. Brasília, v. 5, n. 1, p., jan. – dez., 2023. Disponível em: <https://saladerecursos.com.br>. Acesso em: