Dupla excepcionalidade – O Transtorno do Espectro Autista e Altas Habilidades ou Superdotação
Rachel Rabelo: É graduada em Letras, Especialista em Informática na Educação e Neuropsicopedagogia. Professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal há 29 anos, já atuou na formação de professores no Núcleo de Tecnologia Educacional. Atualmente é Professora da Área Acadêmica Linguagens, atua na identificação e atendimento ao estudante com Altas Habilidades ou Superdotação no Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades ou Superdotação Sobradinho da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
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1. RESUMO
No campo da educação especial, os conceitos de altas habilidades ou superdotação e autismo têm sido temas que geram reflexões profundas e significativas. As altas habilidades ou superdotação costumam ser associadas ao notório desempenho em áreas específicas, enquanto o autismo é caracterizado por desafios de desenvolvimento social, comunicativo e comportamental. Quando essas duas condições se encontram em um mesmo indivíduo, falamos de dupla excepcionalidade, uma combinação que nos apresenta tantas potencialidades extraordinárias quanto dificuldades consideráveis.
Este texto busca explorar esses conceitos de maneira simples, mas cuidadosa, começando com uma compreensão sobre as altas habilidades ou superdotação, em seguida, depois o entendimento da conceituação sobre o autismo, para depois apresentar a dupla excepcionalidade. O objetivo é apresentar as dificuldades de identificação, o atendimento educacional e as barreiras que esses alunos enfrentam e também refletir sobre estratégias que, ao mesmo tempo, promovam o desenvolvimento de altas habilidades e ajudem a superar as dificuldades associadas ao autismo, criando um ambiente onde esses indivíduos possam alcançar todo o seu potencial. Portanto, espera-se ajudar a desenvolver um entendimento inicial sobre a Dupla Excepcionalidade e contribuir tanto com a divulgação, como com as discussões e ampliação do conhecimento nessas áreas.
Palavras-chave: Altas Habilidades. Superdotação. Autismo. Dupla Excepcionalidade.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 As altas habilidades ou superdotação
A superdotação é um conceito dinâmico que tem acompanhado as mudanças na nossa compreensão sobre inteligência ao longo da história. Durante muito tempo, a ideia predominante de inteligência era diretamente associada ao desempenho em testes de QI, com uma pontuação acima de 120 sendo o principal critério para identificar uma pessoa superdotada. No entanto, essa visão restrita foi gradualmente ampliada à medida que os pesquisadores começaram a entender que a inteligência é mais complexa e multifacetada do que um número em um teste padronizado.
Joseph Renzulli, em sua Teoria dos Três Anéis, foi um dos primeiros a questionar essa abordagem e sugerir uma visão mais abrangente da superdotação. Para ele, a superdotação não é definida apenas por habilidades intelectuais acima da média, mas também por dois outros fatores essenciais: criatividade e um alto nível de motivação ou envolvimento em tarefas. Esse modelo trouxe uma perspectiva mais holística, reconhecendo que o desempenho excepcional resulta de uma combinação dessas três características.
Além disso, o desenvolvimento de teorias como a de Howard Gardner, com sua Teoria das Inteligências Múltiplas, ampliou ainda mais o conceito de inteligência, sugerindo que existem diferentes tipos de capacidades humanas, como a inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, musical, entre outras. Isso abriu espaço para que pessoas com talentos em áreas não necessariamente acadêmicas também fossem reconhecidas como dotadas de altas habilidades.
Historicamente, a percepção de inteligência sempre esteve intimamente ligada ao contexto social e cultural da época. No início do século XX, por exemplo, as teorias psicométricas dominavam, com foco em medições quantitativas e testes de QI. No entanto, ao longo do tempo, pesquisadores começaram a considerar outros aspectos, como o ambiente, o contexto social e as oportunidades de aprendizagem, que também influenciam o desenvolvimento intelectual.
Hoje, entende-se que a superdotação é uma construção multidimensional, não limitada ao desempenho acadêmico ou intelectual. Fatores como habilidades emocionais, sociais e criativas também fazem parte do quadro. Esse entendimento mais inclusivo permite que o conceito de altas habilidades se expanda para além dos padrões tradicionais, reconhecendo a diversidade de talentos e habilidades que podem se manifestar de diferentes formas.
2.2 O AUTISMO
O conceito de autismo também passou por uma transformação significativa. Em 1911, Eugen Bleuler utilizou o termo “autismo” para descrever um sintoma da esquizofrenia, relacionado ao isolamento social. Em 1943, Leo Kanner definiu o “autismo infantil”, destacando dificuldades na interação social e comportamentos repetitivos. Hans Asperger, em 1944, descreveu crianças com características semelhantes, mas com habilidades linguísticas mais desenvolvidas, o que levou mais tarde à definição da síndrome de Asperger.
Décadas depois, o autismo ainda enfrentou estigmas, como a ideia de que era causado por “mães-geladeira” (uma teoria que culpava a frieza emocional das mães), o que foi refutado nos anos seguintes. Na década de 1980, Lorna Wing modificou o conceito de espectro autista, mostrando que o autismo varia em graus de comprometimento. Hoje, o autismo é entendido como um Transtorno do Espectro Autista (TEA) , conforme descrito no DSM-5 (2013). A ideia central é que o autismo envolve desafios na comunicação social, além de comportamentos restritivos e repetitivos, com variações significativas entre indivíduos, que podem ser altamente funcionais ou necessitar de mais suporte.
Na atualidade, o autismo é visto como uma condição do neurodesenvolvimento com causas genéticas e ambientais. A compreensão do TEA também inclui maior ênfase na neurodiversidade, com movimentos que defendem a aceitação das diferenças neurológicas como parte da diversidade humana. Além disso, as intervenções têm se concentrado em abordagens terapêuticas individualizadas para melhorar a qualidade de vida e a inclusão social dos indivíduos autistas.
Tanto o conceito de altas habilidades ou superdotação quanto o de autismo evoluíram com o tempo, refletindo o avanço da ciência e as mudanças nas percepções sociais. O autismo, antes visto como uma condição severa e isolante, hoje é compreendido como parte de um espectro mais amplo, com ênfase na inclusão e no reconhecimento da neurodiversidade. Por outro lado, a superdotação, antes focada em um QI elevado, agora registra múltiplos talentos e inteligências, com uma abordagem pedagógica mais individualizada e voltada ao desenvolvimento de potencialidades diversas.
2.3 A DUPLA EXCEPCIONALIDADE
A ideia de dupla excepcionalidade começou a ganhar atenção a partir da década de 1980, quando pesquisadores e educadores notaram que alguns indivíduos com diagnósticos de transtornos de desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem também apresentavam desempenho excepcional em áreas específicas. No Brasil, o reconhecimento formal dessa condição é mais recente e vem sendo gradativamente incorporado às práticas diagnósticas e pedagógicas.
Joseph Renzulli foi um dos primeiros a abordar a complexidade da superdotação de forma mais ampla. Em 1986, ele criou o Modelo dos Três Anéis, que expandiu o conceito de superdotação para além do QI, ao incluir a motivação e a criatividade como componentes essenciais. Esse modelo trouxe uma nova visão, ao reconhecer que pessoas com altas habilidades possuem perfis mais complexos, o que abriu espaço para a compreensão de indivíduos com dupla excepcionalidade, como aqueles com autismo e altas habilidades.
Outro pesquisador foi James J. Gallagher. Embora bastante reconhecido por seu trabalho na educação especial, ele também contribuiu significativamente para o entendimento de estudantes superdotados que apresentam deficiências ou transtornos de desenvolvimento. Nos anos 1970, Gallagher sugeriu que o sistema educacional precisaria se adaptar para atender esses alunos, um pensamento que ganhou força e foi ampliado nas décadas seguintes.
Susan Baum, por sua vez, foi pioneira ao se concentrar na identificação de estudantes superdotados que também enfrentam dificuldades de aprendizagem, incluindo aqueles no espectro autista. Em 1988, ela publicou um estudo sobre programas de enriquecimento específicos para esses alunos, mostrando que uma combinação de altas habilidades com dificuldades requer uma abordagem educacional diferenciada.
Linda Silverman, uma das referências na área de superdotação, também tratou do tema da dupla excepcionalidade. Em seus trabalhos, ela enfatizou a importância de identificar e apoiar crianças com altas habilidades que enfrentam desafios como transtornos de aprendizagem ou autismo. Em uma de suas obras, publicada em 2002, Silverman destacou a necessidade de avaliações precisas para oferecer o suporte adequado a esses estudantes.
Sally Reis, em parceria com Susan Baum, aprofundou o conceito de dupla excepcionalidade. Juntas, elas desenvolveram definições operacionais para estudantes superdotados que enfrentam transtornos, enfatizando a importância de uma abordagem educacional personalizada, capaz de maximizar o potencial desses alunos enquanto cuidam de seu bem-estar.
Esses pesquisadores desempenharam um papel crucial na compreensão da dupla excepcionalidade, mostrando que superdotação e transtornos como o autismo podem coexistir. Suas contribuições transformaram a forma como o sistema educacional enxerga e atende alunos que, até então, eram muitas vezes negligenciados ou mal compreendidos.
Esses pioneiros ajudaram a estabelecer as bases para o entendimento moderno da dupla excepcionalidade, e suas contribuições abriram caminho para uma abordagem mais inclusiva e diversificada da superdotação e dos transtornos do desenvolvimento. Mas somente bem mais tarde, nas décadas de 1990 e 2000, que a combinação entre altas habilidades e transtornos do espectro autista começou a receber mais atenção como um subtipo específico de dupla excepcionalidade. A conscientização sobre o autismo, somada aos avanços na neurociência e na psicologia do desenvolvimento, permitiu uma maior precisão no diagnóstico e tem permitido um entendimento mais refinado dessa combinação específica.
O subdiagnóstico ou diagnósticos errôneos podem ofuscar o potencial elevado pelos desafios do autismo. É fundamental um diagnóstico diferencial que inclua uma equipe multiprofissional, incluindo psiquiatras infantis, neuropediatras, neuropsicólogos, neuropsicopedagogos, professores, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais que reconheçam e valorizem essas características, promovendo um ambiente que estimule tanto o desenvolvimento das habilidades quanto o suporte às dificuldades.
Embora haja uma escassez de pesquisas, o interesse científico vem crescendo e reconhecer a dupla excepcionalidade é crucial para garantir que essas crianças recebam o apoio e o estímulo adequado para suas necessidades únicas e para o sucesso educacional e social desses indivíduos. Escolas e programas educacionais que adotam uma abordagem inclusiva, que respeitam as singularidades de cada criança, podem facilitar o florescimento de suas capacidades e a superação de barreiras sociais. Além disso, a conscientização sobre a dupla excepcionalidade é essencial para garantir que esses indivíduos recebam o apoio necessário para prosperarem em suas vidas pessoais e profissionais.
2.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL AUTISMO E DUPLA EXCEPCIONALIDADE
O diagnóstico diferencial entre autismo e a condição de dupla excepcionalidade, quando uma pessoa apresenta tanto autismo quanto Altas Habilidades ou Superdotação, é um desafio significativo na prática clínica e educacional. Uma avaliação cuidadosa e sensível é fundamental para diferenciar entre os dois. Os profissionais devem considerar uma série de fatores, incluindo:
- Uma análise detalhada do histórico de desenvolvimento da criança, sua trajetória educacional e social é essencial e pode revelar informações sobre a presença de habilidades e dificuldades.
- Testes padronizados e avaliações psicométricas podem ajudar a identificar tanto níveis de habilidades quanto áreas de dificuldades. Instrumentos específicos podem ser utilizados para avaliar a cognição, habilidades sociais e comportamentais.
- A observação da criança em diferentes contextos (escola, casa, interações sociais) pode fornecer informações sobre como suas habilidades e desafios se manifestam em situações diversas.
- As informações de familiares e registros de professores podem ser úteis, pois fornecem dados da interação dessa criança de como interage em diferentes ambientes e como suas habilidades se comparam a seus pares.
Alguns sinais que podem indicar que a dupla excepcionalidade incluem:
- Comportamentos sociais e criatividade acima da média;
- desempenho desigual;
- habilidades de resolução de problemas não convencionais;
- alto poder de memorização e velocidade de raciocínio relacionados a atividades repetitivas;
- nenhum atraso significativo no desenvolvimento da linguagem;
- padrões intensos, restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades;
- perfeccionismo e autocrítica exacerbada;
- dificuldade em lidar com frustrações;
- sensibilidade sensorial;
- dificuldade em seguir regras rígidas ou rotinas escolares;
- dificuldade de trabalhar em grupo, entre outros.
Esses sinais podem variar em intensidade e se manifestar de maneiras diferentes em cada indivíduo com dupla excepcionalidade, destacando a importância de uma abordagem personalizada na identificação. Daí o diagnóstico da dupla excepcionalidade, envolvendo autismo e altas habilidades, apresentar desafios e a sua importância ir além do contexto escolar e ter um impacto profundo em várias áreas da vida do indivíduo.
2.5 A DUPLA EXCEPCIONALIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR
No Brasil, notam-se esforços para promover a inclusão e oferecer apoio adequado a cada estudante, respeitando as singularidades e necessidades tanto de indivíduos com superdotação quanto aqueles com autismo ou dupla excepcionalidade. O assunto já é pauta em redes de ensino público que, mesmo que timidamente, tem implementado ações voltadas para o enriquecimento curricular de estudantes identificados com altas habilidades ou superdotação, o que já é um primeiro passo para contemplar também os casos de dupla excepcionalidade. Além disso, as redes sociais, eventos, palestras e cursos de formação para professores têm abordado o tema, trazendo à tona discussões sobre melhores práticas de atendimento.
São muitos os desafios que estes estudantes enfrentam, pois suas necessidades educacionais são complexas e, muitas vezes, contraditórias. A escola precisa repensar as suas práticas inclusivas, considerando tanto a superação das dificuldades quanto o desenvolvimento pleno dos seus talentos. Para isso, o envolvimento de toda a comunidade escolar, desde o professor da sala de aula até os gestores e as secretarias de educação, é essencial.
Um planejamento colaborativo entre diferentes profissionais como psicopedagogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, professores e a família do estudante podem ajudar na construção destas adequações curriculares individualizadas. O reconhecimento dessas peculiaridades desses estudantes, num ambiente escolar, é um dos grandes dilemas e investir na formação continuada dos profissionais de educação para que possam identificar e atender de forma mais assertiva esses estudantes é o caminho não subestimar suas capacidades e nem focar em suas dificuldades. A formação continuada, aliada à criação de redes de apoio e ao desenvolvimento de políticas públicas específicas, é o caminho para que a dupla excepcionalidade deixe de ser um desafio e se torne uma oportunidade de crescimento para todos os envolvidos.
Os gestores educacionais também têm um papel crucial nesse processo, ao garantir que as políticas de inclusão contemplem a dupla excepcionalidade e que as escolas tenham os recursos necessários para realizar esse atendimento. Secretarias de educação, por sua vez, podem promover a criação de programas específicos e incentivar a produção de materiais pedagógicos voltados para essa demanda. Pessoas com dupla excepcionalidade enfrentam desafios únicos no ambiente escolar e social. No ambiente escolar, por exemplo, elas podem ser vistas como “problemáticas” ou com “dificuldades de encaixar” em turmas convencionais, uma vez que, ao mesmo tempo, ocorrem atendimento especializado para suas dificuldades e desafios intelectuais para suas habilidades.
Pessoas com dupla excepcionalidade, como autismo e altas habilidades, costumam apresentar características bastante particulares. Entre elas:
- Interesses profundos e específicos: Esses indivíduos frequentemente demonstram uma paixão intensa por determinados temas, podendo se tornar especialistas autodidatas em áreas como ciências, matemática, artes ou tecnologia.
- Dificuldades sociais: Eles podem ter problemas para entender as sutilezas das interações sociais ou se comunicar de forma convencional, algo que é frequentemente associado ao autismo.
- Desempenho desigual: Apesar de possuírem habilidades excepcionais em certas áreas, como raciocínio lógico ou criatividade, essas mesmas pessoas podem enfrentar desafios significativos em outros aspectos, como nas habilidades motoras ou na comunicação verbal.
- Memória notável: Muitos possuem uma memória extraordinária para fatos, números e eventos. Isso pode fazer com que se destaquem em disciplinas como ciências ou história. No entanto, essa capacidade de memorização nem sempre facilita a interação social ou a comunicação clara de suas ideias.
- Criatividade e inovação: Algumas pessoas com autismo e altas habilidades demonstram uma criatividade notável, sendo capazes de resolver problemas complexos de maneiras incomuns ou inovadoras. No entanto, elas podem ter dificuldades em seguir regras sociais ou em manter uma rotina, o que pode gerar desafios em ambientes tradicionais.
- Habilidades matemáticas ou tecnológicas avançadas: Indivíduos com dupla excepcionalidade frequentemente se destacam em áreas como matemática ou programação, muitas vezes superando seus colegas. Contudo, podem enfrentar dificuldades em tarefas que envolvem habilidades motoras finas, como escrever, ou em realizar atividades cotidianas que requerem organização ou planejamento.
- Desafios sensoriais: Pessoas com autismo podem apresentar uma sensibilidade aumentada a estímulos como luz, som ou texturas. Isso pode tornar difícil para elas se ajustarem a ambientes convencionais, como salas de aula, mesmo quando possuem capacidades intelectuais elevadas.
- Perfeccionismo: O perfeccionismo é uma característica comum entre essas pessoas, especialmente em relação às áreas em que se destacam. No entanto, essa busca constante pela perfeição pode gerar altos níveis de frustração e autocrítica, principalmente quando enfrentam dificuldades em outras áreas onde não têm o mesmo nível de habilidade.
2.6 O PAPEL DO PROFESSOR
Em sala, o professor tem um papel crucial no desenvolvimento global do estudante com dupla excepcionalidade, e seu papel é promover um equilíbrio entre o estímulo das altas habilidades e o suporte nas dificuldades decorrentes do autismo. Um planejamento individualizado, estratégias diferenciadas em sala de aula e a promoção da inclusão são essenciais para garantir que esses alunos tenham uma educação significativa e que explorem todo o seu potencial.
Estas são algumas ações importantes para o professor regente ao lidar com estudantes com dupla excepcionalidade Autismo e Altas Habilidades ou Superdotação:
2.6.1 ADOTAR UM PLANEJAMENTO INDIVIDUALIZADO
- Elaborar um plano de ensino personalizado: elaborar e propor atividades que desafiem o potencial intelectual do estudante, com tarefas mais complexas ou aprofundadas nas áreas de interesse. Ao mesmo tempo que também é necessário fornecer suporte nas áreas em que o aluno tenha dificuldades. Exemplo:
- Atividades diferenciadas: Se o aluno se destaca em matemática, o professor pode propor desafios mais complexos, como problemas de lógica avançados, em vez de exercícios convencionais. Ao mesmo tempo, é importante planejar momentos para oferecer suporte em áreas onde o aluno enfrenta dificuldades, como na escrita ou comunicação.
- Ter metas claras e específicas: Definir objetivos individualizados que considerem tanto o desenvolvimento das altas habilidades quanto o apoio nas dificuldades relacionadas ao autismo, como nas interações sociais e na comunicação. Exemplo:
- Projetos interdisciplinares: O professor pode estimular o aluno a explorar suas áreas de interesse por meio de projetos que envolvam várias disciplinas, permitindo que ele aplique suas habilidades excepcionais de maneira criativa.
2.6.2 TRABALHAR SEMPRE ATIVIDADES E ESTRATÉGIAS QUE CONTEMPLEM O APOIO EMOCIONAL E SOCIAL
- Trabalhar habilidades sociais: O professor pode ajudar o aluno a melhorar sua capacidade de interação social, incentivando atividades que desenvolvam cooperação, comunicação e interpretação de situações sociais, habilidades que são geralmente mais desafiadoras para pessoas com autismo. Exemplo:
- Proporcionar jogos que estimulam habilidades sociais: Atividades em grupo, como jogos de tabuleiro ou brincadeiras cooperativas, ajudam o aluno a desenvolver habilidades de comunicação e interação social.
- Promover a inclusão: Criar um ambiente de sala de aula acolhedor e respeitoso, onde a diversidade seja valorizada. Isso ajuda o aluno a se sentir aceito, tanto em suas dificuldades quanto em suas habilidades. Exemplo:
- Promover o trabalho em duplas: Propor tarefas em pares ou pequenos grupos pode facilitar o desenvolvimento de habilidades sociais, especialmente quando o aluno é pareado com um colega compreensivo e paciente, que ajude a criar um ambiente de colaboração.
2.6.3 CRIAR ESTRATÉGIAS DIFERENCIADAS EM SALA DE AULA
- Promover atividades que incentivam o talento: O professor pode criar oportunidades para que o aluno explore seus interesses e talentos, por meio de projetos, desafios e atividades criativas que estimulem seu potencial. Exemplo:
- Explorar o talento do aluno: Se o aluno demonstra interesse em tecnologia, o professor pode sugerir que ele crie um projeto relacionado, como desenvolver um pequeno programa de computador ou trabalhar em um projeto de robótica. No caso de literatura, ele pode ser incentivado a explorar temas mais profundos ou filosóficos.
- Apoiar em áreas de dificuldades: Paralelamente, é necessário oferecer suporte nas áreas em que o aluno enfrenta desafios, como organização, habilidades motoras ou comunicação. Isso pode incluir o uso de recursos visuais, estabelecimento de rotinas claras e a divisão de tarefas em etapas menores. Exemplo:
- Dividir as tarefas em etapas: Para ajudar o aluno a organizar melhor seu tempo e reduzir a ansiedade, o professor pode dividir tarefas grandes em etapas menores, com prazos intermediários para conclusão. Isso permite que o aluno se concentre em uma coisa de cada vez.
- Proporcionar um ambiente sensorial ajustado: Alunos com autismo podem ser sensíveis a estímulos sensoriais, como luz ou ruídos. O professor deve estar atento a esses fatores e ajustar o ambiente da sala de aula para evitar desconfortos.
- Utilizar tecnologias assistivas: Ferramentas como computadores ou tablets podem ser úteis para alunos que têm dificuldades motoras. Softwares de organização de ideias, como os que permitem a criação de mapas mentais, também podem ajudar no planejamento das tarefas.
2.6.4 BUSCAR TRABALHAR EM COLABORAÇÃO COM EQUIPE MULTIDISCIPLINAR
- O professor regente deve trabalhar em conjunto com outros profissionais, como psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e a equipe de educação especial. Essa colaboração é fundamental para a criação de estratégias que atendam tanto ao desenvolvimento das altas habilidades quanto às necessidades relacionadas ao autismo. Exemplos:
- Trabalhar de forma integrada: O professor pode trabalhar em parceria com outros profissionais, como terapeutas ocupacionais ou psicopedagogos, para criar atividades que atendam às necessidades do aluno de forma mais completa, incluindo desenvolvimento motor e cognitivo
- Promover reuniões regulares: Encontros frequentes entre professores, especialistas e a família do aluno são importantes para acompanhar o progresso do estudante e ajustar as estratégias conforme necessário.
2.6.5. TER FEEDBACKS CONTINUAMENTE E TER FLEXIBILIDADE
- O professor precisa ser flexível e estar sempre observando o progresso do aluno. O feedback contínuo permite ajustar o planejamento e as abordagens em sala de aula, garantindo que o estudante receba o suporte necessário para seu desenvolvimento acadêmico e pessoal. Exemplos:
- Promover a auto avaliação: O professor pode incentivar o aluno a refletir sobre seu próprio trabalho, ajudando-o a reconhecer seus pontos fortes e as áreas que precisam ser aprimoradas. Isso pode ser feito por meio de perguntas ou listas de verificação simples.
- Adotar rotinas ajustáveis: Para alunos que têm dificuldades em lidar com mudanças, o professor pode adotar uma rotina mais flexível, permitindo pausas entre as atividades ou ajustando prazos, conforme necessário.
2.6.6. ENSINO DE HABILIDADE DE REGULAÇÃO EMOCIONAL
- O professor e demais profissionais atuantes podem ajudar a integrar alunos autistas superdotados no ambiente escolar e assim enriquecerem também a experiência educacional de todos os alunos, promovendo uma cultura de respeito e inclusão. Exemplo:
- Adotar técnicas de ajustamento: O professor, orientador educacional e psicólogos podem instruir os alunos em técnicas de regulação emocional, como respiração profunda e pausas sensoriais, pode ajudá-los a controlar a ansiedade e a sobrecarga emocional, promovendo um ambiente de aprendizado mais tranquilo e produtivo.
3. DUPLA EXCEPCIONALIDADE: Entendendo e Avançando no Atendimento
3.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de dupla excepcionalidade — especialmente no caso de pessoas com autismo e altas habilidades — tem ganhado cada vez mais atenção. Essa visibilidade crescente reflete o esforço de compreender a complexidade humana e oferecer um atendimento inclusivo e personalizado.
Nos últimos anos, os avanços na neurociência e na educação especial têm facilitado o reconhecimento e o suporte adequado para pessoas com dupla excepcionalidade. A colaboração entre neuropsicólogos, pedagogos, psicólogos e outros profissionais é essencial para atender tanto as características do autismo quanto o potencial das altas habilidades. Nesse sentido, as novas políticas públicas procuram incluir esses indivíduos em programas específicos de ensino que considerem esses aspectos de forma integrada. A combinação de condições tão distintas apresenta desafios, mas também fornece uma compreensão mais ampla e possibilidades de desenvolvimento.
Para essas pessoas, a dupla excepcionalidade influencia várias áreas da vida, impactando desde a construção da autoestima até as relações interpessoais. Um entendimento profundo por parte da família e da comunidade ajuda a criar um ambiente acolhedor e abrangente, onde elas se sintam reconhecidas. A longo prazo, isso contribui para um futuro mais positivo, no qual essas pessoas possam aproveitar plenamente suas habilidades e lidar com os desafios de forma saudável.
À medida que esses jovens crescem e fazem a transição para a vida adulta, é fundamental que eles e suas famílias compreendam as necessidades e os pontos fortes que possuem. A busca por redes de apoio, atividades de enriquecimento e grupos de amizade pode fazer toda a diferença, promovendo o desenvolvimento pessoal e prevenindo problemas como a ansiedade e o isolamento, que são comuns quando a dupla excepcionalidade não é compreendida.
Em resumo, um diagnóstico preciso e abrangente tem um papel crucial para quem vive com dupla excepcionalidade, proporcionando uma visão completa e sensível de suas experiências e necessidades. Com o suporte adequado, essas pessoas podem alcançar um equilíbrio entre suas habilidades e desafios, vivendo de forma plena e realizada.
4.REFERÊNCIAS
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Ramos, P. S. (2015). As altas habilidades/superdotação e a dupla excepcionalidade no Brasil: Desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(1), 105-120.
COMO CITAR
RABELO, Rachel. Dupla excepcionalidade – O Transtorno do Espectro Autista e Altas Habilidades ou Superdotação. In: Revista Sala de Recursos, p. , jan. – . jul. 2024. Disponível em: <http://www.saladerecursos.com.br>. Acesso: