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A INFANTILIZAÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM CONTRAPONTO PARA A INCLUSÃO SOCIAL.

Audiodescrição: Ray Oliveira
Locução – Lunna Mara

Marcelle Regina da Silva Camargo: Mestranda em Intervenção Psicológica em Desenvolvimento e Educação pela FUNIBER Pedagoga formada pela UERJ, Neuropsicopedagoga pela UCAM, Psicanalista, Especialista em Distúrbios e Transtornos que afetam a aprendizagem. Orientadora, supervisora e consultora em Educação e Neuropsicopedagogia. Professora da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Pessoa com TEA/ AHSD. http://lattes.cnpq.br/8864023651033834


Tecnologia Assistiva – Podcast do Artigo
Locução – Lunna Mara


A INFANTILIZAÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:UM CONTRAPONTO PARA A INCLUSÃO SOCIAL.

1.RESUMO

Este texto tem por objetivo investigar os processos educacionais e de transição nas várias etapas do desenvolvimento psicossocial de pessoas com deficiência intelectual. Em especial, aquelas que necessitam de manejo do comportamento, como nos casos dos transtornos do neurodesenvolvimento com presença de deficiência intelectual. Exemplos: síndromes e distúrbios que demandam cuidados específicos e permanentes de familiares, educadores e especialistas.

Neste estudo, a pesquisadora, por meio dos procedimentos metodológicos de pesquisa-ação, identifica e infere sobre uma problemática pouco discutida, embora presente em diversos contextos: a infantilização na deficiência como extensão de uma visão assistencialista, capacitista e estrutural.

Com Registros em espaço clínico, educacional e naturalista, tornou-se possível coletar dados suficientes numa perspectiva de ser humano ecológico com a participação efetiva de PcDs e aqueles de seu convívio diário, resultando em novos redirecionamentos no olhar sobre estes sujeitos e concluindo que o excesso de cuidados contribui para uma visão distorcida das competências e capacidades que comprometem a cidadania autônoma e que há urgente necessidade de se repensar para além da deficiência nas diversas oportunidades e mecanismos de transição e socialização que uma vez concedidos tornarão evidentes habilidades sociais e funcionais que garantam a cidadania autônoma da pessoa com deficiência. E, sem dúvidas, o espaço escolar é local privilegiado para a condução dos processos de transição, se valendo dos temas transversais, atividades contextualizadas com a realidade e promoção do desenvolvimento integral do ser humano.

PALAVRAS CHAVE: Inclusão. Assistencialismo. Currículo Funcional. Capacitismo.


2. INTRODUÇÃO

Especialistas de todas as áreas do desenvolvimento são unânimes em se contrapor ao uso de linguagem infantilizada com desvios intencionais quando nos direcionamos às crianças em fase de aquisição da fala. A infantilização da linguagem verbal em pessoas típicas torna-se uma barreira, em especial, para neurodivergentes, grupo formado por pessoas com deficiência, já que esta prática abriga sentidos negativos. Além da fala, afeta diretamente o comportamento e as condutas de direcionamento associados aos cuidados educacionais direcionados ao grupo.

Neste sentido, a atual pesquisa torna relevante o levantamento de justificativas para a infantilização de pessoas com deficiência intelectual, considerando os prejuízos da ausência de observação sobre as etapas do desenvolvimento psicossocial humano e orgânico, a partir do olhar da própria pessoa com deficiência, seus familiares e amigos. E buscará soluções, com prática, que deveriam ser iniciadas na infância e continuarem perenes ao longo das etapas do desenvolvimento humano, levando em conta o papel da escola, família e sociedade que é propor e oportunizar recursos e ferramentas que abriguem os interesses, as habilidades e as competências necessárias à pessoa com deficiência.

A metodologia escolhida para esta investigação é de natureza quali-quantitativa e exploratória, tendo por procedimento metodológico a pesquisa-ação, pois, garante não só a observação, mas a inferência por ações que corroboram as hipóteses sobre possíveis processos de transição psicoeducacional por meio de um currículo adequado e programas de inclusão social naturalísticos e a constante desmistificação acerca da socialização, sexualidade e funcionalidade de PcDs.1

A pesquisa compreende um período experimental de dois anos em que foram registrados os fatores de risco para infantilização (por observação, análises psicanalíticas dos comportamentos, entrevistas e questionários), ausência de programas e resultados positivos de propostas disponibilizadas às famílias, às pessoas com deficiência e aos seus cuidadores. Deste estudo participaram dez famílias. Como referencial teórico, os estudos sociológicos e psicológicos dos impactos do modelo assistencialista associados aos cuidados excessivos a estes sujeitos. Contribuições importantes das Neurociências a respeito da plasticidade cerebral, condição que permite ao cérebro humano habilitação e reabilitação de zonas com prejuízos neuronais, em tese, tornando possível a funcionalidade de pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento, síndromes e patologias degenerativas. Demonstrando relevantes as ideias de Lev Vigostski em Fundamentos da Defectologia (Obras completas V, 1997), na qual, o autor apresenta uma visão sócio-histórica-cultural sobre a deficiência que ultrapassa o modelo medicinal e quantitativo, evidenciando uma perspectiva de deficiência como percurso possível no desenvolvimento humano, portanto, qualitativa, na qual o sujeito poderá ser detentor de sua trajetória. Entre os estudos que embasam esta pesquisa, encontra-se o trabalho apresentado pela Dra. Cristina Jenaro na III Conferência Científica sobre Pesquisa em Pessoas com Deficiência realizadaem Salamanca nos dias 18, 19 e 20 de março de 1999, com excelentes contribuições sobre o processo de transição da pessoa com deficiência para a vida adulta, numa visão inovadora que parte do olhar sobre as subjetividades até a produção de modelos úteis para esta fase.

Com ênfase na crença de que a aprendizagem é universal e pertinente a todos os seres humanos, conclui-se: sob estímulos adequados independente de condições orgânicas, todo indivíduo é capaz de tomada de decisões sobre seu corpo, sua trajetória, comportamentos e trabalho podendo exercer sua autonomia e equidade de participação social.


1Pessoas com deficiências

3.MÉTODO

Convencionou-se trazer para esta pesquisa, com objetivo ser de natureza aplicada a um grupo seleto de dez jovens com deficiência, sob laudo médico comprovado: CID 10 F84, identificando autismo, CID 10 F71, deficiência intelectual, e Síndrome de Down com deficiência intelectual, nas idades entre 16 e 27 anos. Sendo sete do sexo masculino e três do sexo feminino. Três destes jovens, os quais pertencem à parcela de pessoas de baixa renda, assistidos pela família, apenas um matriculado em sala de aula regular de ensino. Os demais chegaram à fase adulta, não só sem aquisições cognitivas de conteúdos escolares, incluindo alfabetização, mas também nunca foram incluídos em sala regular de ensino. Outrossim, só dois possuem certificado de conclusão do ensino fundamental e, mesmo assim, verificou-se a ausência de apropriação de conhecimentos básicos.

Os jovens selecionados pertencem a famílias organizadas sob o modelo patriarcal, vivendo com sua parentela composta por pai, mãe e irmãos. Nenhum deles apresentava sinais de maus tratos, desnutrição ou abandono. Todos pertencentes a mesma região do Estado do Rio de Janeiro em comunidades carentes, entretanto, assistidas por escolas públicas e clínicas da família onde realizam consultas e acompanhamento médico. Observou-se precariedade nos atendimentos de saúde, com prioridade a medicamentação e ausência de terapias ou orientação familiar.

A pesquisadora utilizou o espaço clínico neuropsicopedagógico, onde atuou para entrevistas de anamnese com os responsáveis e pacientes, facilitando a coleta de informações a serem investigadas, bem como os padrões de tratamento infantilizado na deficiência intelectual e suas justificativas. Todos participaram individualmente em encontros semanais de aproximadamente uma hora de duração. Um importante instrumento foi a escala de Rosenberg, utilizada para verificação dos níveis de autoestima, em conjunto com uma ampliação do instrumento, enriquecendo com perguntas-chave sobre suas visões, leituras de mundo e perspectivas.

Ademais, os instrumentos de coleta de dados, mediante os estudos da Dra. Jenaro, constituem elementos importantes, contribuindo para a intervenção psicoeducativa e para processo de transição como: a formulação de mapas mentais constituídos de desenhos e palavras-chave, atividades que envolvem habilitação cognitiva e social, incluindo a reeducação familiar e orientação aos educadores.

4. DESENVOLVIMENTO

O trabalho apresentado pela Dra. Cristina Jenaro, na III Conferência Científica, sobre Pesquisa em Pessoas com Deficiência, realizada em Salamanca nos dias 18, 19 e 20 de março de 1999, chama atenção a respeito de equívocos contidos na visão capacitista sobre a pessoa com deficiência e ressalta a importância dos argumentos que destacam os processos de transição deste público calcados em valores e cidadania. Sendo assim, Jenaro a discussão: “integração e inclusão são preferíveis à segregação e exclusão. A integração oferece a oportunidade de dissipar mitos e estereótipos e aprender a valorizar a diversidade das contribuições individuais”.

Durante nossas entrevistas com os responsáveis por pessoas com deficiência, sobretudo, a intelectual, ficou evidente a crença e desconfiança acerca das capacidades de seus filhos. Segundo a maioria dos pais, a escola é um espaço para interações sociais sem o compromisso de aprendizagem de conteúdos. Neste sentido, conforme a apresentação de Jenaro, pode-se observar que os obstáculos para uma transição bem-sucedida partem de um mindset em que se cristalizam a ideia de que a educação especial é um âmbito totalmente diferenciado da educação regular, dedicada a atividades totalmente diferenciados e objetivos distintos. Para isso se faz necessário, profissionais com competências muito além dos professores de sala de aula regular de ensino. A respeito desta visão permeada por dicotomias, a autora aponta motivos para estas crenças, esclarecendo que os modos como estão referenciados as finalidades, os alunos, os professores e os serviços na modalidade de educação especial constituem barreiras visíveis, com fragilidades palpáveis.

Diante desse quadro, nossa pesquisa propõe diferentes olhares sobre o estudante público-alvo da educação especial no sentido de redimensionar a abordagem médica sobre a deficiência para um olhar sobre o ser humano social em desenvolvimento. Pois de acordo com Vygotski (1997), “a noção de desenvolvimento pressupõe uma relação intrínseca de mútua constituição entre os aspectos orgânicos e aqueles da ordem da cultura, que possibilitam transformações das funções psicológicas e favorecem a emergência das funções superiores, essencialmente humanas”. Contrapondo-se então a toda forma de exclusão baseadas em disfunções orgânicas e considerando uma perspectiva histórico-cultural sobre a deficiência. Não muito menos distante das crenças limitantes dos responsáveis por pessoas com deficiência intelectual, estão os serviços de atendimento, sobretudo as formas de organização do espaço escolar em não oferecer riquezas de oportunidades desde a infância do sujeito.

Os entrevistados neste trabalho adentraram às unidades de ensino ainda na educação infantil, tratados como “diferentes” e recebendo tratamentos diferenciados, destituídos de estímulos para desenvolvimento cognitivo. Do mesmo modo, as famílias responsáveis não receberam nenhum tipo de orientação sobre desenvolvimento humano e suas capacidades para além de um modelo assistencialista e benevolência. Mostraram-se gratos. Afinal, os filhos tiveram a oportunidade de “passarem pela escola”. Logo, acreditaram que o melhor havia sido feito, como o relato de uma das mães que afirmou ser feliz por seu filho ter feito algumas amizades e até mesmo consegue escrever seu próprio nome.

Observou-se que o fator que os levaram à clínica neuropsicopedagógica, foram:

  • Comportamento depressivo observado aproximadamente a partir dos 16 anos;
  • Tentativas de automutilação e aversão às companhias;
  • Regressão no comportamento social logo após a retirada do contexto escolar;
  • Crises de ansiedade a partir dos 18 anos com transtornos de humor;
  • Linguagem verbal e não verbal comprometidas;
  • Expressão da sexualidade muitas vezes de maneira inadequada;
  • Horas demasiadas em frente à tela e exposição aos riscos da internet;
  • Ociosidade improdutiva com constantes reclamações desses jovens ao observarem os modos de vida de outros jovens;
  • Curiosidade sobre o mundo exterior e desejo de interagir com o trabalho;
  • Rebeldia e comportamentos inadequados com crises explosivas.
  • Comprometimentos e regressões em autocuidados, incluindo a higiene;
  • Exposição maior a riscos na comunidade por total ausência de controle inibitório.

Propôs-se a aplicação da Escala de Autoestima de Rosenberg diante dessas demandas dos responsáveis. Tal instrumento tem por objetivo avaliar o nível de autoestima de pessoas de todas as idades. As perguntas neste instrumento são validadas como: 0 para concordo plenamente, 1 para concordo, 2 para discordo e 3 para discordo plenamente. Por serem perguntas de fácil compreensão, pouco houve necessidade de ressignificar ou simplificar a linguagem. Todos compreenderam e apresentaram uma comunicação e interação constante em todos os temas abordados.

Os resultados demonstraram um alto nível de insatisfação dos pacientes com deficiência como apresentado na tabela I. Tornou-se, ainda, relevante para este trabalho a observação sobre as práticas cotidianas nos lares dos pacientes, revelando a utilização de linguagem infantilizada “os inhos” desde a infância, pouca autonomia para tomada de decisões sobre passeios, escolha de roupas casuais ou para saírem, alimentação, escolha de refeições e o servir-se, ausência de contato com o sistema monetário, apelidos infantis, longos períodos de exposição a televisão e maior ainda a celulares, ausência de orientação sexual com nomeações infantis aos órgãos sexuais, brinquedos e brincadeiras infantis, ausência de contato com mecanismos de leitura e escrita. Aqueles que possuem algum conhecimento sobre o mundo do trabalho têm uma visão distorcida de suas finalidades, embora demonstraram interesse em “ganhar dinheiro”. Reconhecem que não estão prontos e desconhecem profissões e funções atribuídas ao trabalho. Em entrevista, os seguintes dados sobre as perspectivas dos responsáveis corroboram as dificuldades para o processo de transição desses jovens:

“Os resultados demonstraram um alto nível de insatisfação dos pacientes com deficiência…pouca autonomia para tomada de decisões sobre passeios, escolha de roupas casuais ou para saírem, alimentação, escolha de refeições e o servir-se, ausência de contato com o sistema monetário, apelidos infantis, longos períodos de exposição a televisão…”

Marcelle Regina

Na tabela I, é possível entender os fundamentos abordados até então por meio das perspectivas traduzidas por medo dos responsáveis por pessoas com deficiência intelectual. Considera-se que a ausência de conhecimentos sobre os processos de transição para a vida adulta com início na infância é o maior contributo que fomenta tais pensamentos. Nesse ínterim, a reflexão sobre o papel da sociedade, aqui com ênfase à escola, em transmitir orientações cabíveis e se dispor às práticas de cidadania mesmo na Educação Especial, se tornam mais evidenciadas. A partir deste ponto discorreremos por práticas anti-capacitistas à disposição do trabalho da escola na proposição de atitudes para o desenvolvimento integral do ser humano para além de sua deficiência. A justificativa está no ser social e suas capacidades impulsionadas pela neuroplasticidade cerebral.

4.1 Neurociências e a plasticidade cerebral em indivíduos com DI

Na tabela I, é possível entender os fundamentos abordados até então por meio das perspectivas traduzidas por medo dos responsáveis por pessoas com deficiência intelectual. Considera-se que a ausência de conhecimentos sobre os processos de transição para a vida adulta com início na infância é o maior contributo que fomenta tais pensamentos. Nesse ínterim, a reflexão sobre o papel da sociedade, aqui com ênfase à escola, em transmitir orientações cabíveis e se dispor às práticas de cidadania mesmo na Educação Especial, se tornam mais evidenciadas. A partir deste ponto discorreremos por práticas anti-capacitistas à disposição do trabalho da escola na proposição de atitudes para o desenvolvimento integral do ser humano para além de sua deficiência. A justificativa está no ser social e suas capacidades impulsionadas pela neuroplasticidade cerebral.

Considera-se aqui como práticas de transição um conjunto de mecanismos com início na infância com objetivos de contextualizar o indivíduo com deficiência o mais próximo possível de sua realidade atual e futura. Tais mecanismos nesta perspectiva não consideram o papel da saúde pública brasileira, ocorrerá da escola para a sociedade, mas com trabalho efetivado na clínica neuropsicopedagógica.

Como dito anteriormente, o espaço escolar é um lócus privilegiado de promoção da cidadania e que não deve dicotomizar o ensino destinado aos alunos de classe regular do dispensado aos da Educação Especial. Os princípios da educação inclusiva abrigam facetas importantes, propondo ao ensino contemporâneo a garantia de educação para todos, com igualdade de condições, oportunidades e a valorização das diferenças humanas.

Neste caso, a escola inclusiva abre espaço para a concepção de que toda pessoa aprende, desde que diante de oportunidades justas que respeitem suas singularidades e em meio às interações com o ambiente regular de cada Unidade. Com este bojo de informações e embasado em evidências científicas sobre como o cérebro aprende e se apropria de conhecimentos capazes de transformar a realidade de suas conexões neuronais, algumas contribuições foram trazidas, após um período de experimentação e êxito com os jovens participantes e suas famílias.

 

4.3 Infância: Ponto de partida para a transição

Durante a infância o brincar assume simbolismos importantes ao sujeito com vistas ao futuro. Nesta fase do desenvolvimento humano, torna-se necessário introduzir práticas de transição que valorizem o mundo externo e possam construir pensamentos positivos e relações com este. Entretanto, compreendendo as principais dificuldades em abstração nas pessoas com deficiência intelectual, sugere-se um trabalho que tenha como ponto de partida a manipulação constante de materiais concretos, a modelagem e associações. Envolve sem dúvidas um currículo funcional e flexível com planejamentos de aulas conscientes com intencionalidades, metas e objetivos bem claros. As propostas ofertadas neste trabalho às escolas são:

  • Buscar conhecer o aluno: Quais seus interesses? O que os motiva? Como aprende melhor? Que conhecimentos já possui, pois todos possuem;
  • Construção de minimercados em sala de aula e em casa — propor brincadeiras que envolvam o processo de listar produtos, realizar compras, pagar e receber troco utilizando o sistema monetário;
  • Trabalho com rótulos, marcas de produtos conhecidos e suas funções relacionadas ao cotidiano;
  • Musicalização que estimule a resolução de problemas e as práticas sociais;
  • Entrevistas e registros diversos de situações ligadas ao cotidiano como estímulo à autonomia e participação cidadã;
  • Valorizar a expressão oral como modos de avaliação de conhecimentos apropriados: dramatização, apresentação de trabalhos;
  • Dar responsabilidades por meio de tarefas distintas segundo as práticas desenvolvidas em sala de aula;
  • Ensino por experimentos, dando condições de explorar situações, materiais e criar. Incentivo à investigação com registros de fases: início, meio e fim, podendo utilizar celulares, tabelas, marcadores;
  • Tarefas de organização do ambiente com comandos simples e objetivos;
  • Elogiar os esforços e mostrar que acredita em suas potencialidades;

Todos os elementos apresentados não se tornarão relevantes sem a participação efetiva da família em todos os trabalhos. Daí a necessidade ímpar de se estabelecer vínculos família-escola. Estes vínculos são formados a partir de uma conduta receptiva da escola inclusiva em orientar sobre a importância do trabalho que será desenvolvido e na distribuição de tarefas que reforçarão a apropriação de conhecimentos. Seguem algumas sugestões apresentadas:

  • Estabelecer o olhar humanista sobre as relações sem preconceitos e/ou discriminações, afinal, educação está para além de conteúdos e aqui assume um sentido mais amplo. A apropriação de conhecimentos nos sugere pessoas mais humanizadas em suas interações;
  • Encontros agendados em datas preestabelecidas para orientações aos responsáveis individualmente. A internet estreitou as possibilidades de flexibilização de horários;
  • Formação de responsáveis por alunos com deficiência em direitos e deveres com participações externas de membros do direito, saúde e cidadania. Inclui-se aqui as orientações sobre sexualidade e futuro, respeitando a cultura de cada família;
  • Expor diversas possibilidades de avanços desmistificando conceitos capacitistas;
  • Ampliar a visão de mundo oferecendo exemplos positivos;
  • Criação de oficinas de aprendizagem;
  • Criar espaços para que os responsáveis participem de aulas interativas como contação de histórias, culinária, tecnologias digitais e outros;
  • Sempre que possível, promover visitas domiciliares.

A abertura de espaço à família poderá ser o fator-chave para o processo de transição ainda na infância de pessoas com deficiência intelectual por promover oportunidades de debate, escuta e compreensão da realidade.

Essas aplicações se referem a todas as idades com abordagens evolutivas em linguagem específica. Uma problemática que necessita de atenção é que muitas vezes os responsáveis também apresentam características e sintomas de deficiência intelectual. A etiologia da deficiência intelectual é multifatorial e a hereditariedade responde por uma porcentagem considerável de casos. Ao propor um trabalho com a família é necessário investigar o contexto familiar por meio de anamnese profunda e reafirma-se ainda mais a necessidade de um vínculo humanizador e colaborativo.

Os jovens, pesquisados, muito embora demonstram conhecimentos prévios de mundo, possuíam uma releitura de uma visão familiar reducionista pela infantilização. No afã de protegê-los dos males do mundo, deram preferência ao isolamento social, laboral e educacional. Conforme apresentado na tabela 1, foram diversos argumentos utilizados e interpretados e chama-nos a atenção que os responsáveis de beneficiários de programas do governo ou benefícios diversos como a aposentadoria acreditavam que seria o suficiente para que na ausência dos familiares mais próximos estes jovens pudessem dar continuidade a vida. Um argumento incoerente com a ausência de autonomia, dificuldades de gerir o dinheiro e autocuidados básicos.

No intuito de descartar as incoerentes visões capacitistas algumas aplicações foram realizadas com estas famílias, ressaltando que esta é a parte clínica do trabalho, uma vez que diante dos obstáculos encontrados pelos pais ao se confrontarem com indivíduos que mesmo sob infantilização apresentaram comportamentos naturais ao desenvolvimento humano como sexualidade, vontade de trabalhar, comprar objetos, namorar como as outras pessoas, realizarem passeios sem a presença dos pais, depressão e frustração por suas dificuldades, estes responsáveis buscaram o espaço neuropsicopedagógico e psicanalítico em busca de soluções. Foram realizadas anamnese com coletas de dados que envolveram membros da família, observação de ex-professores, cuidadores, vizinhos, amigos. A infantilização nestes casos respondeu pelos atrasos no desenvolvimento e as atuais consequências. Fez-se necessário um plano de ação para conduzir o processo de transição para a vida adulta e inferências sobre as aprendizagens. Foram realizados um encontro semanal com uma hora de duração sobre o qual procede à tabela abaixo.

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Temos evidências empíricas com a perspectiva sociocultural de Vigotski que a pessoa com deficiência não deve ser vista como um ser subdesenvolvido e desprovido de capacidades cognitivas que o tornem menos que outras pessoas.

Podemos afirmar que uma vez submetidos a oportunidades diversas, o cérebro dessas pessoas tal qual de quaisquer outras apresentará estágios de assimilação, acomodação e equilibração. E assumindo este ideal, a pesquisa apresentada ao propor diversas atividades que incluíram atenção e orientação às famílias e pessoas com deficiência em conjunto propiciaram resultados e novas justificativas para a pesquisa.

Ficou evidente que a infantilização é considerada pelos responsáveis um mecanismo de defesa de seus filhos e quando se trata de meninas esse quadro ainda se torna mais exigente, com medos mais exacerbados quanto à sexualidade. Assim, observaram-se quantidades de bonecas, panelinhas, ursinhos de pelúcia, linguagem infantilizada, penteados infantis, vestimentas incoerentes com a idade, considerando que todas tinham mais de 19 anos. Aos meninos é concedida maior liberdade de estarem brincando na rua com menor supervisão e comportamentos mais rebeldes.

Observou-se ainda que em ambos os gêneros as dificuldades com questões do cotidiano, fossem financeiras, higiene e letramento eram idênticas. Por esse motivo, as intervenções no espaço clínico buscaram averiguar seus interesses a partir de conhecimentos de mundo em sua maioria distorcidos da realidade, rumo às atividades por jogos, pesquisas e tarefas a serem cumpridas. Nesse sentido, entendeu-se como esses jovens viam a si mesmos. Com sustentação na escala de Rosenberg, pode-se observar que mesmo diante de suas limitações intelectuais, suas emoções e sentimentos, a percepção de suas trajetórias eram de baixa autoestima e nenhum deles concordavam com os apelidos e outras infantilizações praticadas pelos pais.

Em se tratando das percepções, obtidas pelo uso da escala, compreende-se que o resultado da pontuação permite ter uma ideia do estado da autoestima do entrevistado. De fato, uma pontuação inferior a 15 indica uma autoestima muito baixa, demonstrando que este é um aspecto no qual a pessoa deve trabalhar. Entre 15 e 25 pontos, aponta autoestima saudável e que está nos parâmetros do que é considerado “equilibrado”. Uma pontuação maior que 25, mostra uma pessoa forte e sólida. Porém, uma pontuação tão alta também poderia mostrar problemas na análise da realidade ou pessoas demasiado complacentes com elas mesmas. A pontuação ideal varia entre 15 e 25 pontos. O interesse pelo trabalho também foi evidenciado por todos, mesmo não possuindo conhecimento concreto sobre vagas, qualificações e currículo, eles possuíam motivação pelo tema.

As intervenções clínicas seguiram por planos de ações envolvendo um dinamismo diferenciado a cada paciente, respeitando as subjetividades, porém, o mais próximo possível de alguns padrões para o embasamento desta pesquisa. Levou-se em consideração os pré-requisitos para autonomia e participação em sociedade e o desenvolvimento de habilidades cognitivas, em especial as funções executivas superiores concernentes ao planejamento, organização, execução, flexibilidade cognitiva, atenção, concentração, controle inibitório e memorização. Apoia-se também em atividades com aspectos lúdicos que ressaltam a motivação necessária. A linguagem verbal adotada diante destes jovens sofreu diversas alterações durante o processo de intervenção, uma vez que os mesmos apresentaram dificuldades pontuais de entendimento de uma fala não infantilizada e com comandos simples e complexos. Um trabalho dividido em etapas e níveis de consciência e apropriações com colaboração dos pais orientados nas sessões de orientação conforme o tabela II apresentou.

Ao propor um projeto interdisciplinar buscou-se trazer conhecimentos de diferentes áreas do conhecimento em prol de uma formação integral do ser humano. Ressalta-se nesse ponto a necessidade de um currículo funcional nas unidades de ensino que abarque condições igualitárias, pensadas em nível de futuro do sujeito aprendente, muito mais quando este é público-alvo da educação especial.

A proposta de um currículo funcional considera o ser humano a partir de suas capacidades numa abordagem de ser ecológico que em interação com as realidades do meio ambiente terá condições plenas de participação justa e cidadã. E a reflexão sobre esta nos conduz mais uma vez aos princípios da Educação Inclusiva com uso de temas transversais que conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) são: ética(Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo, Solidariedade), Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde (autocuidado, vida coletiva). Pluralidade Cultural e Cidadania, Trabalho e Consumo. E a Educação Financeira não menos importante.

Conforme a tabela II, nas intervenções foram utilizados diferentes recursos voltados aos processos de transição. Os jogos, entre as ferramentas utilizadas, como notório, assumiram papel relevante; é claro que é necessário recordar: os jovens que participaram da pesquisa, pessoas com deficiência intelectual, necessitaram de instrumentos concretos e motivadores que, em linguagem simples, pudessem contextualizá-los e resgatar anos de ausência de trabalhos sonegados. Tomou-se tempo durante os encontros para a compreensão de si mesmo no mundo e as exigências para sua promoção e gestão de sua trajetória. Enfatiza-se ainda que os jogos são uma excelente ferramenta para compreensão e autorregulação. E a gamificação sendo a aplicação dos princípios dos jogos para o ensino de habilidades em que o indivíduo participa ativamente das situações propostas trouxe resultados rápidos compartilhados em contextos como casa, mercados, padarias, interações com seus conhecidos, num feedback positivo por parte da sociedade do seu convívio.

A elaboração de uma rotina participativa, ou seja, elaborada com eles e para eles, foi de extrema importância, posto que em sua maioria apresentavam longas horas de exposição à tela, horários de sono mal conduzido e uma ociosidade improdutiva. Puderam avaliar suas performances e despertaram para novas perspectivas de vida. O quadro de rotina colaborativo foi formado por PECs para que se inteirassem de suas atividades com auxílio de imagens.

A questão do analfabetismo por razões capacitistas ficou sob orientações de ingresso em escola regular de ensino com direito a acompanhamento do AEE ( atendimento educacional especializado) e em Sala de Recursos Multifuncional. Devido às idades avançadas houve necessidade de encontrar mecanismos na Educação de Jovens e Adultos e 3 responsáveis optaram pelo ensino privado. É possível afirmar que com os avanços e motivação dos aprendentes, os responsáveis desconstruíram ideias anteriores e com orientações sobre linguagens e comportamentos impulsionadores de autonomia, percebeu-se a diminuição do medo e desprendimento necessário à evolução dos filhos. A percepção de que a condição de um transtorno do neurodesenvolvimento não impede o sujeito com deficiência intelectual aprenda, tenha desejos, interesses e direitos sobre seu próprio corpo e gestão de sua vida mesmo com supervisão mediadora. Foram dadas oportunidades de ir e vir aos atendimentos de maneira autônoma a quatro dos atendidos. A aplicação das atividades de educação financeira produziu maior participação na elaboração de listas de compras, as próprias compras com responsabilidade e assertividade. A natureza da sexualidade latente como parte do desenvolvimento humano pode ser trabalhada a partir do autoconhecimento do corpo e orientações seguras, bem como a indicação de esportes e outras atividades físicas. O contato com as redes sociais tornou-se responsável, sem demasiadas exposições, mas como um meio de interações positivas e produção de trabalho.

Os responsáveis puderam ser apresentados aos meios de inclusão no trabalho que garantem a segurança e desenvolvimento produtivo. E até o fechamento deste trabalho seis jovens já haviam sido introduzidos em práticas que geram rendas, sendo quatro no trabalho formal.

Cabe então acender a discussão sobre o papel do ambiente escolar e sua responsabilidade de atenção precoce como meio preventivo à infantilização da pessoa com deficiência e mecanismos de formação para um futuro produtivo. Orientar às famílias, conhecer o sujeito para além de sua deficiência com seus pontos altos, interesses e habilidades que poderão surgir quando estimuladas.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio dos objetivos deste trabalho em produzir evidências suficientes que desmistificam a infantilização da pessoa com deficiência e os frágeis argumentos que tentam embasar a ausência de processos de transição desde a infância ao longo da trajetória destas. Fica evidente que ao proporcionar oportunidades diversas de construção de conhecimentos e gestão de vida, tornam-se capazes de aprendizados, autonomia e participação em sociedade.

Os estímulos adequados deverão envolver programas e/ou planos de intervenções sobre as dificuldades da família e seus filhos. Um trabalho que se inicia desde o diagnóstico precoce, passando pelas práticas escolares, preferencialmente em sala de aula regular de ensino, com planejamentos de aulas sob a perspectiva inclusiva baseadas em metodologias ativas para a educação e os princípios do Desenho Universal. Para além dos muros da escola, uma equipe multidisciplinar com assistência da Neuropsicopedagogia efetiva aprendizagens por meio dos conhecimentos das Neurociências, confirmando o importante papel da neuroplasticidade cerebral e descobrindo os caminhos para as aprendizagens dos sujeitos.

Considerando a importância do ato de aprender e a justiça social que inclui a participação de todos os sujeitos em sociedade, é que se entende que ao utilizar as diferentes formas de infantilização, cria-se cárceres para as PcDs, principalmente, aqueles com deficiência intelectual. Reduz-se o sujeito a um ser deficiente, sem expectativas futuras, aprisionado a um corpo em desenvolvimento com suas necessidades sociais de crescimento. O sofrimento por depressão, por transtornos de personalidade, por conduta típica e por ansiedade coabitam nestas pessoas em algum momento de seu desenvolvimento, trazendo desgaste emocional e psicológico que levam as famílias atentas a buscarem auxílio como tratamento terapêutico para causas que poderiam facilmente serem previsíveis desde a infância.

7. ANEXOS

9. REFERÊNCIAS


DIAS, Sueli de Souza e Oliveira, LOPES, Maria Cláudia Santos de. Deficiência intelectual na perspectiva histórico-cultural: contribuições ao estudo do desenvolvimento adulto. In: Revista Brasileira de Educação Especial. 2013, v. 19, n. 2 , p. 169-182. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-65382013000200003>. Acessado: 12/08/2022.

JENARO, C. La transición a la vida adulta en jóvenes con discapacidad: necesidades y demandas. In: Jornadas Científicas de Investigación sobre Personas com Discapacidad, ( 3, 1999). Salamanca: INICO, 1999. Acta electrónica. Disponível em: <https://sid-inico.usal.es/documentacion/hacia-una-nueva-concepcion-de-la-discapacidad-actas-de-las-iii-jornadas-cientificas-de-investigacion-sobre-personas-con discapacidad/> . Acesso em: 22 jul. 2022.

VIGOTSKI, Lev Semionovitc. Obras completas. Fundamentos de defectologia .Tomo V. Madrid: Visor, 1997.

Zecchini, I. A Linguagem Infantilizada: Até Onde Compromete o Desenvolvimento. 2008. Disponível em:<http://reginapironatto.blogspot.com/2008/04/linguagem-infantilizada-at-onde.html?m=1> Acessado em: 07 de jun. 2022.


COMO CITAR

CAMARGO, Marcelle Regina da Silva. A Infantilização na Deficiência Intelectual: Um Contraponto para Inclusão Social. In: Revista Sala de Recursos, vol.3, n.2, p., jul. – dez. 2022. Disponível em:<http://www.saladerecursos.com.br>.

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3 thoughts on “A INFANTILIZAÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM CONTRAPONTO PARA A INCLUSÃO SOCIAL.
  1. Olá… nós professores precisamos muito de apoio pedagógico para trabalharmos com nossos alunos,pois é um método para podermos ajudá-los não só no momento de realização das atividades,mas um meio de acomodar os mesmos.

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